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Últimos corpos de operação no Rio deixam IML; famílias denunciam execuções

Famílias das vítimas da Operação Contenção no Rio deixam o IML após identificação dos últimos corpos, denunciando execuções e pedindo respostas sobre a alta letalidade da ação.
Famílias denunciam execuções Rio
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

As famílias das vítimas da Operação Contenção, deflagrada pelo governo do Estado do Rio de Janeiro no início da semana nos complexos da Penha e do Alemão, localizados na zona norte da capital fluminense, finalmente deixam o Instituto Médico Legal (IML), situado no centro da cidade. Após dias de angústia, a identificação dos últimos corpos encerra uma etapa dolorosa para muitos familiares, os quais, entretanto, expressam profunda indignação com a letalidade da ação e clamam por respostas. Até ontem, a Polícia Civil havia informado que apenas oito corpos aguardavam reconhecimento.

O Fim da Peregrinação e a Dor da Indignação

A conclusão do processo de identificação trouxe um certo alívio para os familiares, que encerram a exaustiva busca por seus entes queridos. Por outro lado, a sensação é majoritariamente de revolta diante da tragédia. Muitos parentes de pessoas mortas na operação denunciam que a ação resultou em execuções, e não apenas em prisões ou confrontos legítimos, o que intensifica o luto e a busca por justiça.

Karine Beatriz, uma jovem de 26 anos e grávida de poucos meses, é um exemplo pungente dessa dor. Ela passou três dias em uma busca incessante pela mata antes de, finalmente, reconhecer o corpo de seu esposo, Wagner Nunes Santana, pai de seu futuro bebê. Em seguida, na sexta-feira, Karine relatou que o corpo de Wagner foi retirado de um lago na Serra da Misericórdia, na Penha.

A Tragédia Pessoal e as Denúncias de Karine

Após a dolorosa descoberta, Karine expressou que o alívio definitivo só virá com respostas para suas perguntas. Ela questiona abertamente a alta letalidade das operações policiais no Rio de Janeiro nos últimos anos, indagando: “De onde vem pena de morte, se existe presídio, presídio é apenas enfeite? Até quando vai isso?”. Além disso, ela lamentou o impacto da violência na comunidade: “Temos crianças assustadas, uma comunidade abalada, é muita dor”.

Karine enfatizou o papel de Wagner como pai de família e trabalhador, responsável pelo sustento e cuidado do lar, independentemente de quaisquer erros que ele possa ter cometido. “Ele era trabalhador, era família”, afirmou. Adicionalmente, ela compartilhou lembranças afetuosas: “semana passada, estava ajudando a erguer uma casa na comunidade, ajudou a fazer o ‘cabelo maluco’ da minha filha. Tenho uma filha de 9 anos, que não era filha dele e ele fez o cabelo dela para escola, levou para brincar, sabe, são momentos que não vão voltar”. O corpo de Wagner, segundo Karine, foi encontrado com um tiro na testa, e a polícia não forneceu esclarecimentos sobre as circunstâncias de sua morte. Ela, que esteve na mata desde os primeiros dias, corrobora as denúncias de execuções.

Em seu depoimento, Karine foi incisiva: “Eles não vieram prender ninguém, eles foram para matar. É até mesmo quem se entregou, eles mataram”. A mulher, que acompanhou as buscas de perto, acrescentou: “Eu procurei, desde o primeiro dia, eu procurei um por um. Não sei o que fizeram, mas enterro vai ter de ser caixão fechado”. Tais declarações reforçam a gravidade das acusações que pesam sobre a operação.

Perfil das Vítimas e a Justificativa Oficial da Operação

Conforme o balanço mais recente da Operação Contenção, divulgado na sexta-feira, 99 pessoas foram identificadas pelo IML. Do total, 42 possuíam mandados de prisão pendentes, enquanto 78 apresentavam algum tipo de envolvimento com atividades criminosas. Vale ressaltar que 13 das vítimas eram oriundas de outros estados, incluindo Pará, Bahia, Amazonas, Ceará, Paraíba e Espírito Santo, o que indica uma mobilidade dos grupos criminosos.

O governo do Estado, por sua vez, justificou a operação como uma medida para conter a expansão territorial do Comando Vermelho. Segundo uma nota enviada à imprensa, as investigações preliminares indicavam que integrantes da facção recebiam treinamento em armamento, técnicas de tiro, uso de explosivos e táticas de combate nas localidades visadas pela ação policial. As autoridades também revelaram que o fluxo de caixa da facção nessas áreas movimentava cerca de 10 toneladas de drogas por mês. Portanto, “tanto o Alemão quanto a Penha serviam como polos de abastecimento, distribuindo drogas e armas para outras comunidades controladas pelo grupo criminoso”, destacou a nota, sublinhando a importância estratégica dos complexos para o crime organizado.

A Defesa do Governador e as Críticas à Eficácia

Apesar dos significativos questionamentos sobre a eficácia e os custos sociais da operação – a cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, parou na terça-feira –, que não conseguiu prender os principais chefes do crime e retomar o controle efetivo do território pelo Estado, o governador Cláudio Castro defendeu firmemente a ação. Ao lado da alta letalidade, houve críticas sobre a desproporcionalidade e os resultados práticos.

Entretanto, o governador Castro, em nota divulgada ontem, afirmou: “Tendo em vista estes resultados, a gente vê que o trabalho de investigação e inteligência foi adequado, todos perigosos e com ficha criminal”. Além disso, ele reforçou a importância da integração entre os estados, dada a identificação das origens desses “narcoterroristas”, reiterando que “em breve, vamos entregar os relatórios completos para as autoridades competentes”. A declaração do governador, portanto, tenta validar a estratégia adotada, embora as denúncias de execução e o drama das famílias continuem a ecoar na sociedade.