Especialistas em envelhecimento destacam a interação entre diferentes gerações como uma estratégia essencial para combater o etarismo e promover uma visão valorizada da longevidade. Essa abordagem se torna cada vez mais pertinente à medida que a população idosa no Brasil experimenta um crescimento notável e contínuo, demandando uma mudança cultural e social significativa para garantir o bem-estar de todos os cidadãos.
A Essência do Etarismo e Suas Manifestações
Inicialmente, é crucial compreender que o etarismo consiste no preconceito e na discriminação motivados pela idade, afetando principalmente os indivíduos mais velhos. Esse fenômeno se manifesta em diversos âmbitos da vida cotidiana. Por exemplo, no mercado de trabalho, observa-se a exclusão de profissionais seniores em processos seletivos e a escassez de oportunidades para sua requalificação ou desenvolvimento de novas habilidades. Adicionalmente, no setor da saúde, esse preconceito se evidencia quando profissionais desconsideram as queixas de pacientes idosos, atribuindo-as simplesmente a sintomas inerentes à idade e, consequentemente, minimizando sua importância.
Crescimento da População Idosa no Brasil
Nesse contexto, dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reforçam a urgência dessa discussão. O percentual de idosos — definidos como pessoas com 60 anos ou mais — na população brasileira tem apresentado um aumento expressivo. Conforme as informações, entre os anos 2000 e 2023, essa proporção quase duplicou, saltando de 8,7% para 15,6%. Em números absolutos, o contingente de idosos no país expandiu de 15,2 milhões para 33 milhões durante o mesmo período. Ademais, as Projeções de População do IBGE indicam que, até 2070, os indivíduos com 60 anos ou mais poderão representar cerca de 40% (37,8%) dos habitantes brasileiros, totalizando aproximadamente 75,3 milhões de pessoas nessa faixa etária.
Prejuízos do Etarismo na Saúde Física e Mental
A presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), a fisioterapeuta Isabela Azevedo Trindade, alerta para as sérias consequências do etarismo. Ela salienta que, nos meios de comunicação, ainda são frequentes as representações estereotipadas, que retratam os idosos como frágeis, dependentes ou incapazes. Além disso, no âmbito das relações sociais e familiares, percebe-se a infantilização, a superproteção ou a desconsideração da autonomia da pessoa idosa. Em outras palavras, essa conduta leva o próprio idoso a internalizar o preconceito, associando o envelhecimento à perda e à incapacidade. Consequentemente, este problema social impacta diretamente a saúde física e mental, favorecendo o isolamento social e desencorajando o engajamento em atividades produtivas. Portanto, o etarismo perpetua uma visão negativa do envelhecimento, o que é extremamente prejudicial. Para a especialista, combater essa forma de discriminação é fundamental para valorizar o envelhecimento como um processo natural da vida e edificar uma sociedade inclusiva para todas as idades.
Promovendo a Intergeracionalidade como Solução
Para combater eficazmente o etarismo, a receita, segundo Isabela Azevedo, reside na promoção de relacionamentos intergeracionais, que valorizem o convívio e a troca de experiências entre diferentes gerações. A fisioterapeuta detalha que as estratégias devem abranger a inclusão do tema do envelhecimento na mídia, apresentando idosos engajados e produtivos. Adicionalmente, ela sugere a capacitação de profissionais da saúde para identificar e evitar condutas etaristas, além da promoção de políticas públicas que assegurem a inclusão social e oportunidades de emprego para a população idosa, visando uma transformação cultural profunda. Ela enfatiza, inclusive, que alcançar uma longevidade saudável está diretamente ligado à forma como cada indivíduo se prepara para envelhecer. Para tanto, é essencial adotar hábitos como a prática regular de atividade física, uma alimentação equilibrada e um sono adequado em todas as fases da vida, sendo que esse preparo, por sua vez, deve iniciar-se muito antes da velhice.
Desmistificando Mitos e Valorizando a Vida Afetiva na Velhice
Paralelamente, Isabela Azevedo questiona por que, em especial, os jovens tendem a acreditar que pessoas idosas não devem mais trabalhar, estão “mortas” para o amor ou, inclusive, para a sexualidade. Em sua análise, essa percepção está intrinsicamente ligada à educação e às construções culturais de cada geração. Essa visão limitada, segundo ela, é prejudicial e exige um trabalho contínuo para fomentar as relações intergeracionais, valorizando o convívio e o intercâmbio de conhecimentos e afetos entre faixas etárias distintas. Ademais, é fundamental desmistificar a crença de que a velhice representa o término da vida afetiva e da sexualidade. A afetividade e o desejo são, de fato, inerentes a todas as idades, o que se modifica são apenas as suas formas de expressão e as prioridades. Portanto, é imprescindível promover essa mudança cultural, reconhecendo o envelhecimento como uma etapa natural e valiosa da jornada humana.
A Importância da Educação no Combate ao Etarismo
Por sua vez, o secretário nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Alexandre da Silva, reforça que o enfrentamento ao etarismo passa necessariamente por aspectos culturais e educacionais. Ele destaca que a formação de uma visão positiva sobre o envelhecimento deve começar na infância. Isso porque, segundo Silva, a ausência dessa perspectiva desde cedo pode levar crianças, adolescentes e adultos a desenvolverem preconceitos contra os idosos, perpetuando o ciclo do etarismo na sociedade.
Turma da Mônica: Uma Ferramenta Intergeracional
Um exemplo notável de iniciativa para promover essa mudança é a revista em quadrinhos “Turma da Mônica em: Intergeracionalidade”. De acordo com a Ouvidoria do MDHC, embora as pessoas mais jovens sejam frequentemente as que mais praticam violência contra idosos, são também as que possuem maior potencial para protegê-los. Por essa razão, a secretaria lançou essa publicação, que busca fomentar um diálogo construtivo entre diferentes gerações, utilizando personagens idosos para abordar temas como diversidade, respeito e o combate ao etarismo. O secretário Silva ressalta que essa abordagem “é uma forma de aproximar em que todo mundo ganha”, fazendo uma analogia com a cultura de respeito aos mais velhos presente em diversas civilizações, como as africanas e asiáticas. Você pode acessar a versão digital da revista em quadrinhos aqui.
Além disso, o lançamento do gibi ocorreu em março deste ano, durante um evento em uma escola pública do Distrito Federal. A pensionista Varlinda Lisboa Leite, de 61 anos, e seu neto, Arthur Digo, de 12 anos, que residem juntos desde o nascimento do menino, estiveram presentes e foram figuras centrais da ocasião. Na oportunidade, Varlinda, que também foi criada por sua avó, enfatizou a importância da rica troca de experiências com seu quinto neto, mesmo diante de uma diferença de idade de quase quatro décadas. Ela compartilhou que se dedica a transmitir a Arthur os valores e ensinamentos que recebeu de seus pais e avó, especialmente sobre o respeito ao próximo.
Outras Ações Estratégicas do MDHC
Adicionalmente, a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa desenvolve uma série de outras ações dedicadas a essa parcela da população. Dentre elas, destacam-se iniciativas educacionais focadas no combate ao analfabetismo entre idosos. Em conjunto com o Ministério da Educação, a secretaria está elaborando um programa de formação tecnológica direcionado aos mais velhos, visando sua inclusão digital. Desse modo, também existe o programa “Viva Mais Cidadania”, alinhado ao Artigo 5º da Convenção Interamericana, que aborda as pessoas em situações de vulnerabilidade. Conforme informa o secretário Alexandre da Silva, este programa já beneficia diversos grupos, como quilombolas, indígenas, ribeirinhos, refugiados e pessoas idosas LGBTQIA+, com a particularidade de iniciar seu atendimento um pouco antes dos 60 anos, ampliando seu alcance e impacto.



