Em um avanço notável para a segurança alimentar e de bebidas, pesquisadores do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) desenvolveram um inovador nariz eletrônico, impulsionado por inteligência artificial, capaz de detectar metanol e outras fraudes em bebidas alcoólicas em menos de 60 segundos. Esta tecnologia surge como uma ferramenta crucial, especialmente em um cenário onde casos de intoxicação por metanol decorrentes de adulteração de bebidas têm sido reportados, representando um sério risco à saúde pública.
A Mecânica da Detecção e Suas Capacidades
O funcionamento do dispositivo é surpreendentemente simples, porém altamente eficaz. Basta uma única gota da bebida para que o equipamento analise seus componentes voláteis e identifique qualquer odor considerado “estranho” em comparação com o perfil de uma bebida original. De acordo com o professor Leandro Almeida, do Centro de Informática, a essência do sistema reside em sua capacidade de transformar aromas em dados concretos. Assim, esses dados são então processados por uma inteligência artificial, que aprende a reconhecer a “assinatura” olfativa específica de cada amostra.
Para garantir a precisão, a máquina é primeiramente calibrada com amostras de bebidas autênticas. Posteriormente, são apresentadas versões adulteradas, permitindo que a IA aprimore sua capacidade de distinção. A leitura e análise dos aromas são realizadas em um tempo recorde, não excedendo um minuto. Além da detecção de metanol, o nariz eletrônico é versátil o suficiente para identificar qualquer tipo de adulteração, incluindo, por exemplo, bebidas que foram diluídas em água. Os desenvolvedores asseguram uma margem de segurança impressionante de 98% para as detecções, elevando consideravelmente o padrão de controle de qualidade.
Aplicações Versáteis e a Origem da Tecnologia
Curiosamente, a tecnologia por trás deste nariz eletrônico teve suas raízes em um setor completamente diferente. Conforme explicado por Leandro Almeida, a pesquisa original começou há uma década, focada na avaliação do odorizante presente no gás natural. Este odorizante é um componente essencial adicionado ao gás de cozinha, por exemplo, para permitir a detecção rápida de vazamentos e, consequentemente, prevenir acidentes. Essa base de conhecimento permitiu uma adaptação e expansão para outras áreas.
Ademais, as potenciais aplicações do nariz eletrônico se estendem muito além das bebidas alcoólicas. Ele pode, analogamente, ser empregado na identificação de adulterações em diversos alimentos. O professor Almeida detalha que a tecnologia poderia ser utilizada para verificar a qualidade de produtos como café, pescados, carnes vermelhas e brancas. Por exemplo, a indústria alimentícia já faz uso de sistemas semelhantes para auditar a qualidade do óleo de soja destinado à produção de margarina. Para além da indústria alimentícia, o dispositivo também demonstra grande potencial para uso em ambientes hospitalares, onde poderia auxiliar na identificação de microrganismos através de seus odores característicos, oferecendo um método rápido e não invasivo de diagnóstico.
Do Laboratório ao Mercado: Desafios e Visões Futuras
A equipe de pesquisa já contempla diversas estratégias para viabilizar a implementação desta tecnologia em setores comerciais, como bares, restaurantes e adegas. Uma das propostas envolve a disponibilização de equipamentos em formato de totens, acessíveis aos clientes nos estabelecimentos que revendem bebidas. Por outro lado, outra ideia visa a produção de equipamentos portáteis, permitindo que as empresas fabricantes de bebidas verifiquem diretamente a autenticidade de seus produtos nos pontos de venda. No entanto, as ambições não param por aí.
Pensando no consumidor final, Leandro Almeida cogita o desenvolvimento de um produto ainda mais acessível. Ele menciona o projeto de uma “canetinha” que permitiria ao próprio cliente consultar a veracidade de sua bebida ou alimento antes do consumo, promovendo uma camada extra de segurança pessoal. Entretanto, apesar do grande potencial, a versão etílica do nariz eletrônico ainda se encontra em fase de testes laboratoriais. Para que se torne um produto comercializável, é imprescindível que passe por validações em ambientes reais.
Este processo de transição do laboratório para o mercado demanda um investimento significativo, estimado em cerca de R$ 10 milhões, para tornar a tecnologia amplamente acessível. A relevância e o impacto desta inovação foram destacados durante o Rec’n’Play 2025, um prestigiado festival de inovação e tecnologia que ocorreu no Porto Digital, em Recife, onde o nariz eletrônico foi formalmente apresentado ao público.