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Mulheres de Marajó transformam arte ancestral em moda, gerando renda e cultura

Mulheres do Marajó, Pará, transformam a arte ancestral marajoara em moda, gerando renda e fortalecendo a cultura local. Com a COP30, elas buscam maior visibilidade e novos mercados.
Mulheres Marajó arte moda
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Mulheres da Ilha de Marajó, no Pará, transformam a secular arte marajoara em peças de moda que não apenas geram renda, mas também fortalecem a rica cultura local. Com a iminente Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em Belém, a expectativa é de maior visibilidade e acesso a novos mercados para esses talentos. A iniciativa mostra como a tradição pode se aliar ao empreendedorismo, impulsionando a economia criativa na Amazônia.

A Tradição Viva de Dona Cruz

Em Soure, uma pequena casa abriga o ateliê e a moradia de Maria da Cruz, uma costureira de 77 anos. Dona Cruz dedica seus dias à confecção de trajes de gala marajoaras, peças sofisticadas que contrastam com a simplicidade de sua rotina. Cada item, muitas vezes uma camisa de botão, demanda de um a três dias de trabalho manual, pois ela utiliza tecido de algodão e fitas bordadas com intrincados grafismos inspirados nas antigas cerâmicas indígenas do Marajó.

Posteriormente, a visibilidade de seu trabalho aumentou consideravelmente em 2023, quando o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), usou um de seus trajes durante a Cúpula da Amazônia. Desde então, a procura pelas vestimentas disparou, com encomendas vindo de autoridades políticas e fazendeiros, além de consumidores de diversas partes do país, como Brasília, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Dona Cruz gerencia as vendas e envia os produtos pelos Correios, alcançando um público nacional.

Ainda assim, apesar da crescente demanda, os ganhos financeiros de Dona Cruz permanecem modestos. Ela explica que o valor arrecadado com as vendas é frequentemente reinvestido na compra de novos materiais para manter o estoque disponível. A aposentadoria, por outro lado, cobre as despesas domésticas. Ela esclarece que os preços das roupas variam entre R$ 290 e R$ 410, dependendo do tamanho e do modelo, como manga curta ou longa. Contudo, o benefício mais significativo, segundo ela, é a oportunidade de se manter ativa e continuar aprendendo. “É bom para manter a cabeça ocupada e não ficar pensando em outras coisas”, compartilha a costureira, que encontrou na arte uma forma de preencher a vida após a aposentadoria como inspetora escolar e a viuvez.

Além disso, Dona Cruz recebeu apoio importante para sua jornada. Uma parceria entre a prefeitura de Soure e o governo do estado viabilizou a doação de uma máquina de costura industrial. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), através do programa Polo de Moda do Marajó, forneceu-lhe orientações cruciais sobre precificação, estratégias de venda e melhoria na apresentação dos produtos. Renata Rodrigues, gerente do Sebrae no Marajó, enfatiza que o Polo tem transformado a vida das participantes ao gerar oportunidades de renda e fortalecer a autoestima. Em seguida, em um movimento de preservação cultural, Dona Cruz ministrará um curso de camisaria marajoara pelo Sebrae, transmitindo uma técnica de bordado dominada por poucos, especialmente após o falecimento de seu antigo professor, conhecido como Baiano, durante a pandemia de covid-19. Dona Cruz foi a única das dez alunas dele a concluir o curso.

Rosilda Angelim e a Sustentabilidade Quilombola

Da cerâmica ancestral à moda contemporânea, a arte marajoara floresce nas mãos de Rosilda Angelim, uma artesã e costureira quilombola de 56 anos, residente em Salvaterra. Antes de se dedicar integralmente à arte, Rosilda atuou como professora e funcionária pública. Ela enfrentou dificuldades financeiras e depressão após perder o emprego, mas encontrou na costura um novo propósito. “Comecei na costura há uns 30 anos, mas há 16 me encontrei de verdade no grafismo marajoara”, revela a artesã, descrevendo esse reencontro como um “empurrão” essencial para sua vida. Hoje, seu objetivo principal é “divulgar a minha cultura” e fazer com que “o mundo conheça o Marajó”.

Atualmente, Rosilda lidera um ateliê que emprega seis pessoas, onde produz roupas e acessórios que harmonizam moda com a identidade amazônica. Suas criações são comercializadas em lojas de Belém e atraem compradores de diversas regiões do Brasil. A sustentabilidade constitui um pilar central em seu trabalho; o ateliê emprega exclusivamente tecidos 100% algodão e pratica o reaproveitamento de sobras de material. “O que sobra, a gente doa para mulheres que fazem tapetes e outros artesanatos. É bom para o meio ambiente e ajuda famílias”, explica Rosilda, evidenciando o compromisso social e ambiental de seu negócio.

Com a aproximação da COP30 em Belém, Rosilda e sua equipe esperam um aumento significativo na produção. “A gente tem que acreditar que a COP vem trazer coisa boa. Não só para o clima, mas para a cultura em geral, nossa culinária, nosso artesanato, nossa biojoia”, afirma a artesã. Ela admite que seu objetivo é também “ganhar dinheiro”, mas sem abrir mão da missão de “divulgar a minha cultura para todos”.

Glauciane Pinheiro e o Empreendedorismo Autoral

A história de Glauciane Pinheiro, de 40 anos, ilustra uma jornada de reinvenção notável: de professora de francês a empreendedora e costureira. Ela ingressou em um curso de costura industrial “sem nunca ter tocado numa máquina”, aproveitando vagas abertas para iniciantes em um projeto inicialmente destinado a experientes. “Eu estava desempregada, passando por um momento emocional difícil. Entrei mais para me distrair, mas acabei me encontrando na costura”, relembra Glauciane.

Posteriormente, seu interesse por estamparia e criação de coleções cresceu exponencialmente. Com o apoio do marido, que lhe presenteou com duas máquinas, ela montou um pequeno ateliê no próprio quarto de sua casa e lançou sua marca, a Mang Marajó. A empreendedora dedica-se à produção de roupas com estampas autorais e bordados, alguns feitos por famílias e grupos terceirizados da região. Atualmente, ela enxerga no turismo local uma oportunidade concreta de crescimento e expansão. “Desde que começaram os preparativos para a COP30, a cidade está diferente. Tem mais movimento, mais turistas. Eu recebo gente todos os dias, até de noite ou aos domingos”, relata Glauciane, otimista com o cenário. “A gente acredita que o turismo pode sustentar o Marajó. E eu quero viver disso, da cultura e da arte”, conclui.

Desafios e o Horizonte da COP30

A esperança comum entre as mulheres que vivem da moda no Marajó é que a COP30 represente um ponto de virada para o setor no Pará, trazendo maior visibilidade e mais investimentos públicos. No entanto, o caminho ainda apresenta desafios significativos. Renata Rodrigues, diretora do Sebrae, pontua que “os principais desafios ainda são o acesso limitado a equipamentos modernos, capacitações técnicas continuadas, canais de comercialização e financiamento”.

Portanto, para alavancar a situação dessas mulheres empreendedoras, é fundamental fortalecer as parcerias institucionais e ampliar o acesso a mercados, tanto digitais quanto físicos. Além disso, o investimento em formação empreendedora e a garantia de políticas públicas que sustentem esse processo de desenvolvimento local com identidade são essenciais. O futuro da moda marajoara, entrelaçado com a sustentabilidade e a cultura da região, depende do reconhecimento e do apoio contínuo para que essas artesãs possam prosperar e levar a riqueza de sua herança para o mundo.