Edição Brasília

Fome no Brasil atinge menor patamar histórico, diz IBGE

A insegurança alimentar grave no Brasil atingiu o menor nível histórico em 2024, com 2,5 milhões de lares afetados e queda de 19,9% em um ano, informa o IBGE.
Fome Brasil recorde histórico
Foto: Agência Brasil/Arquivo

A insegurança alimentar grave no Brasil atingiu o seu ponto mais baixo na história em 2024, afetando aproximadamente 2,5 milhões de lares. Esse dado representa uma significativa redução de 19,9% em comparação com o ano anterior, conforme revelam os levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em outras palavras, o percentual de domicílios que enfrentaram a forma mais severa de escassez de alimentos caiu de 4,1% para 3,2% em apenas doze meses, consolidando um cenário de recuperação notável.

Contexto da Pesquisa e Definições de Fome

Essas informações são parte integrante da edição especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, especificamente dedicada à segurança alimentar. O IBGE divulgou este estudo na sexta-feira (10), fornecendo um panorama atualizado da situação do acesso à comida no país. Para classificar os domicílios, os pesquisadores empregaram a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), um instrumento que categoriza o acesso aos alimentos em quatro níveis distintos, o que facilita a compreensão da complexidade do problema.

Primeiramente, a segurança alimentar implica um acesso constante e suficiente a alimentos de qualidade, sem que isso comprometa outras necessidades básicas da família. Por outro lado, a insegurança alimentar leve se manifesta como uma preocupação ou incerteza quanto à disponibilidade futura de alimentos, embora a ingestão ainda não seja diretamente afetada. Em seguida, a insegurança alimentar moderada indica uma redução na quantidade de comida disponível para os adultos da casa, evidenciando uma privação mais concreta. Finalmente, a insegurança alimentar grave, a forma mais crítica, ocorre quando há uma redução ou falta de alimentos também entre as crianças, configurando a experiência da fome no próprio lar. Assim, a distinção entre esses níveis é crucial para a formulação de políticas públicas eficazes.

Celebração de Recordes e Desafios Superados

Em nota oficial, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Wellington Dias, expressou grande otimismo com os resultados. Ele enfatizou que o Brasil não apenas reduziu a insegurança alimentar grave, mas também igualou o recorde histórico estabelecido em 2013, o qual representou o menor patamar de fome registrado na nação. O ministro apontou que, em 2025, o Brasil celebrará duas importantes conquistas: a saída do Mapa da Fome e, consequentemente, a manutenção desse nível historicamente baixo de insegurança alimentar grave.

Além disso, Dias destacou a rapidez da recuperação atual. “Levamos dois anos para reconquistar uma marca que, no passado, levou dez anos (2003-2013) de construção de políticas públicas para ser alcançada”, afirmou, ressaltando o esforço concentrado do governo. Os pesquisadores do IBGE, para obter esses dados, visitaram famílias em todo o território nacional, indagando sobre a percepção dos moradores em relação à sua situação alimentar nos três meses precedentes à entrevista, o que confere robustez aos resultados apresentados.

Análise da Queda Generalizada da Insegurança Alimentar

A pesquisa do IBGE também demonstra que a segurança alimentar de forma geral no Brasil experimentou um aumento significativo. A proporção de domicílios com acesso garantido a alimentos cresceu de 72,4% em 2023 para 75,8% em 2024. Isso significa que, no ano passado, aproximadamente 59,4 milhões de lares brasileiros tinham comida garantida sem a necessidade de sacrifícios. Por outro lado, a insegurança alimentar em sua totalidade — abrangendo os níveis leve, moderado e grave — recuou de 27,6% para 24,2% no mesmo período, totalizando 18,9 milhões de endereços, onde residem cerca de 54,7 milhões de pessoas.

Entretanto, a pesquisadora do IBGE Maria Lucia França Pontes Vieira faz uma ponderação importante. Ela observa que nem todos os moradores de um domicílio classificado com insegurança alimentar estão necessariamente passando pela mesma condição de privação. Conforme explicado por Vieira, “pode ser que uma pessoa tenha deixado de comer para outra pessoa comer, mas a outra não percebeu isso. Então, a gente está falando sobre a percepção de um morador”. Em apenas um ano, 2,2 milhões de lares superaram a condição de insegurança alimentar. Em seguida, todas as categorias de insegurança apresentaram declínio entre 2023 e 2024: a leve passou de 18,2% para 16,4%; a moderada, de 5,3% para 4,5%; e a grave, conforme já mencionado, de 4,1% para 3,2%. Vale notar que, em 2023, o país contava com cerca de 76,7 milhões de domicílios, enquanto em 2024, esse número se aproximou de 78,3 milhões, mostrando um crescimento populacional e de lares.

Trabalho, Renda e Programas Sociais como Impulsionadores

A pesquisadora Maria Lucia Vieira sublinha o papel fundamental do mercado de trabalho e das iniciativas governamentais, como os programas sociais, para essa redução da insegurança alimentar. De acordo com Vieira, “para adquirir alimentos, vai ser através de renda. Essa renda ou vem do trabalho ou de programas [assistenciais]”. Embora a pesquisa não consiga quantificar precisamente o impacto de cada um desses fatores, ela reconhece a contribuição de ambos.

Ainda assim, a pesquisadora afirma que é inegável que os programas assistenciais têm um “algum impacto” na melhoria do cenário. As pesquisas de 2023 e 2024 são frutos de um convênio com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, o que demonstra o compromisso conjunto em monitorar e combater a fome no país. O IBGE já vinha investigando a segurança alimentar em levantamentos anteriores, desde 2004, o que permite uma análise de longo prazo da situação brasileira.

Perspectiva Histórica da Fome no Brasil

Ao analisar todos os levantamentos, percebe-se que o conjunto das duas piores formas de insegurança alimentar (moderada e grave) alcançou, em 2024, o patamar mais baixo já registrado, com 7,7% dos domicílios afetados. Comparativamente, esse percentual era de 16,8% em 2004 e atingiu 7,8% em 2013, antes de subir para 12,7% em 2017/2018 e depois cair para 9,4% em 2023. É importante ressaltar que os levantamentos até 2018, incluindo o de 2017/2018 (feito pela Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF), possuem metodologias e amostragens distintas das pesquisas de 2023 e 2024.

Conforme Maria Lucia França Pontes Vieira, “não são exatamente diretamente comparáveis, mas a gente consegue, a partir delas, ter uma ideia da evolução da segurança alimentar no país ao longo desse tempo”. Em relação à segurança alimentar propriamente dita, o índice de 2024 (75,8%) representa o segundo maior da série histórica, ficando apenas atrás do recorde de 77,4% registrado em 2013. O recuo observado entre 2013 e o período subsequente, conforme Vieira, pode ser atribuído à crise econômica que o país enfrentou em 2015, a qual teve reflexos negativos diretos no nível de emprego e na capacidade de compra das famílias.

Desigualdades Regionais e Desafios no Campo

O estudo do IBGE revela que, em 2024, a condição de insegurança alimentar ainda se mostra mais prevalente nas áreas rurais do Brasil. Enquanto nas regiões urbanas 23,2% dos domicílios enfrentaram essa situação, no campo esse percentual alcançou 31,4%, evidenciando uma disparidade significativa. Maria Lucia Vieira esclarece que o acesso a terras para o cultivo de alimentos na área rural não garante, por si só, a segurança alimentar completa.

Nesse sentido, a pesquisadora avalia: “Pelo conceito de segurança alimentar, a gente está falando de variedade, qualidade e quantidade de alimentos. Geralmente, quem vai plantar ou criar um animal para se alimentar não tem essa variedade toda e talvez não tenha também a quantidade toda para domicílios que costumam ter mais crianças e idosos”. Essa análise ressalta a complexidade do problema, que vai além da simples disponibilidade de alimentos básicos. Ao analisar as regiões do Brasil, os pesquisadores constataram que a proporção de domicílios com insegurança alimentar moderada e grave ultrapassa a média nacional (7,7%) nas regiões Norte (14,1%) e Nordeste (12,3%), indicando a persistência de desafios nessas áreas.

Por outro lado, o Centro-Oeste registrou 6,1%, o Sudeste 5,5% e o Sul 3,8%, mostrando uma melhor condição. Maria Lucia Vieira ressalta que a segurança alimentar, de modo geral, cresceu em todas as regiões no intervalo das duas últimas pesquisas. No que tange às inseguranças moderada e grave, as quedas mais expressivas foram observadas no Norte (1,9 ponto percentual) e no Nordeste (2,7 pontos percentuais). Entre os estados, Santa Catarina (90,6%), Espírito Santo (86,5%) e Rio Grande do Sul (85,2%) apresentaram as maiores proporções de segurança alimentar, enquanto Pará (55,4%), Roraima (56,4%) e Piauí (60,7%) registraram as menores taxas. Ao passo que os estados nortistas Pará (17,1%), Amapá (16,3%), Roraima (15,9%) e Amazonas (14,5%) lideram os índices de insegurança alimentar moderada e grave, Santa Catarina possui o menor percentual do país, com 2,9%.

Brasil no Cenário Global de Combate à Fome

Neste ano, o Brasil, mais uma vez, deixou o Mapa da Fome, um importante indicador da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Este mapa identifica os países onde mais de 2,5% da população sofre de subalimentação grave, caracterizando uma insegurança alimentar crônica. Portanto, a saída do Brasil deste mapa reforça a eficácia das políticas implementadas e a melhoria geral no acesso a alimentos. O combate à fome é uma das prioridades do governo, não apenas internamente, mas também no cenário internacional.

No ano passado, por exemplo, o Brasil lançou a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, uma iniciativa que visa reunir esforços de diversos países na luta contra a insegurança alimentar mundial. Além disso, na próxima segunda-feira (13), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participará do Fórum Mundial da Alimentação, em Roma, Itália. Este evento é promovido pela FAO e representa uma plataforma crucial para discussões e ações globais no campo da segurança alimentar, o que consolida o papel do Brasil nesse debate internacional.