Milhares de cidadãos se reuniram neste domingo (21) em diversas cidades brasileiras, com destaque para a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para expressar veementemente sua oposição à concessão de anistia para os envolvidos em atos golpistas e também à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conhecida popularmente como ‘PEC da Blindagem’. Este movimento nacional reflete uma profunda preocupação com a integridade democrática e a responsabilização judicial no país.
Manifestações na Capital Federal
Na capital federal, o ato atraiu uma vasta multidão que ocupou as seis faixas do Eixo Monumental. Sob um sol intenso, os manifestantes percorreram um trajeto de aproximadamente 1,5 quilômetro, seguindo um pequeno trio elétrico que ecoava discursos de lideranças políticas locais e, inclusive, uma batalha de rimas. Posteriormente, a marcha culminou em frente ao Congresso Nacional, onde o renomado cantor e compositor Chico César encerrou o evento com a apresentação de alguns de seus sucessos, marcando o fim da manifestação, que se estendeu das 9h às 14h.
Com o lema incisivo ‘Congresso Inimigo do Povo’, as vozes uníssonas clamavam ‘sem anistia’ e ‘queremos Bolsonaro na cadeia’. Os participantes exigiam o cumprimento da condenação do ex-presidente a 27 anos e três meses de prisão. Vale ressaltar que essa pena foi imposta pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a participação de Bolsonaro e seus aliados na articulação golpista que visava reverter o resultado das eleições de 2022, culminando nos lamentáveis ataques à Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Ademais, muitos cartazes exibiam frases como ‘sem bandidagem’, uma clara alusão à Proposta de Emenda à Constituição, apelidada pelos organizadores de ‘PEC da Bandidagem’, mas oficialmente conhecida como PEC da Blindagem ou das Prerrogativas. Esta controversa proposta sugere que a abertura de processos judiciais contra membros do parlamento precisaria de aprovação prévia da maioria das respectivas casas legislativas, o que, para os críticos, representaria um escudo contra a justiça.
Vozeiros da Indignação Popular
A indignação popular reverberou nas falas de diversos participantes. A bancária Keyla Soares, de 42 anos, expressou à reportagem sua revolta com a PEC que condiciona a abertura de processos criminais contra deputados e senadores à autorização do Parlamento. ‘É uma sem-vergonhice. Esta PEC é ofensiva e eles trabalham apenas em defesa própria. O Brasil precisa se unir contra isso; estamos também lutando pela democracia’, afirmou Soares com veemência. Por conseguinte, a atuação do presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), foi um dos principais alvos da crítica, sendo retratado em cartazes com dizeres como ‘Motta Capacho’, ‘Centrão ladrão’ e ‘PCC: Primeiro Comando do Congresso’. Afinal, como líder da Casa, Motta tem a prerrogativa de definir a pauta de votações e foi o responsável por incluir a PEC e a anistia na programação da semana anterior.
Similarmente, a estudante Sara Santos, de 26 anos, considerou a PEC um completo absurdo e demonstrou incredulidade com sua aprovação inicial, pois, em sua perspectiva, os parlamentares visam unicamente a autoproteção judicial. Além disso, ela também criticou o projeto de lei de anistia, argumentando: ‘Após tudo o que vivenciamos com a ditadura militar, não podemos aceitar anistia para quem atacou nossa democracia e tentou um golpe de Estado’.
Em um tom igualmente revoltado, a delegada aposentada Maria Lúcia de Souza, de 62 anos, asseverou que o ex-presidente Jair Bolsonaro, ‘desde o primeiro dia de seu governo’, nutria a intenção de perpetuar-se no poder por meio de um golpe. ‘Eles estão subestimando nossa inteligência. Acreditam que somos tolos. Na mesma semana em que surgem notícias sobre um suposto envolvimento de Rueda [presidente do União Brasil] com o PCC, eles aprovam esta PEC da Bandidagem. Estou revoltada’, desabafou. A fala de Maria Lúcia remete às reportagens que indicam uma possível ligação entre o presidente nacional do partido União Brasil, Antonio Rueda, e a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Contudo, Rueda e o partido negam veementemente todas as acusações.
Para o servidor público Albert Scott, de 47 anos, a anistia é inaceitável para aqueles que planejaram e financiaram a tentativa de golpe de Estado. Ele, portanto, defendeu a necessidade de ‘resgatar nossa bandeira’ e ‘nossas cores verde e amarela’, que, em sua visão, foram ‘sequestradas’ pela extrema-direita. ‘É um retrocesso inaceitável esta PEC. Eles votam apenas por seus próprios interesses, buscando proteger-se da Justiça. Isso é um completo absurdo’, concluiu Scott.
Protestos Abrangem o Brasil
A mobilização contra a anistia aos condenados pela tentativa de golpe de Estado e contra a PEC da Blindagem não se restringiu a Brasília, mas ecoou em diversas partes do Brasil neste domingo. De fato, ao menos 33 cidades, incluindo todas as capitais estaduais, registraram manifestações populares. Essas mobilizações foram convocadas pelas frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, entidades ligadas a partidos como PSOL e PT, além de diversos movimentos populares. Consequentemente, os atos contaram com a participação engajada de sindicatos, grupos estudantis, artistas e proeminentes movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), para além de outros partidos de esquerda e centro-esquerda, demonstrando uma ampla frente de oposição.
Em suma, os protestos massivos deste domingo revelam uma forte resistência da sociedade civil contra medidas legislativas que poderiam fragilizar a responsabilização de agentes públicos e anistiar crimes contra a democracia. A união de diferentes setores da sociedade civil e política sublinha a importância da vigilância cidadã para a manutenção das instituições democráticas do país.



