O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), fundamental para a nutrição de milhões de estudantes brasileiros, enfrenta uma significativa desvalorização. Sem qualquer reajuste desde 2023, o poder de compra dos recursos destinados à merenda escolar encolheu em 8,8%. Essa perda impacta diretamente a qualidade e a variedade das refeições oferecidas a aproximadamente 40 milhões de crianças e adolescentes em todo o país.
A Desvalorização da Merenda Escolar
O cálculo da perda de poder aquisitivo do PNAE considera o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) acumulado para alimentos e bebidas entre os anos de 2023 e 2024. Este indicador, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela a inflação específica para o setor alimentício, evidenciando a crescente defasagem dos valores repassados. Ademais, o PNAE destaca-se como um dos maiores programas de alimentação escolar globalmente, atendendo uma vasta parcela da população estudantil e sendo reconhecido como referência pelo Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas.
Contudo, apesar de sua importância e alcance internacional, o valor diário destinado a cada estudante do ensino fundamental e médio da rede pública permanece em R$ 0,50. Estes dois segmentos somam 27,8 milhões de alunos, representando 70% do total de beneficiados pelo programa. Vale ressaltar que o montante pode oscilar dependendo da modalidade de ensino, mas para a maioria dos estudantes, a quantia é consideravelmente modesta.
Histórico de Reajustes e o Impacto Atual
A situação atual não é novidade para o programa. Mariana Santarelli, coordenadora do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), enfatiza que o PNAE passou muitos anos sem reajustes, especialmente durante as gestões anteriores. Por exemplo, o último aumento antes de 2023 havia ocorrido em 2017. Posteriormente, em 2023, houve um reajuste médio de 34%, que para os ensinos fundamental e médio alcançou 39%, buscando repor a inflação acumulada durante o período de congelamento. Entretanto, desde então, nenhuma nova atualização foi implementada.
Luana de Lima Cunha, assessora de políticas públicas da Fian Brasil, organização dedicada ao Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas, salienta que um orçamento insuficiente afeta diretamente a saúde e o aprendizado dos alunos. Além disso, ela observa que a gestão dos recursos demanda grande esforço das equipes escolares. Ela ilustra a dificuldade, questionando o desafio para nutricionistas e cozinheiras em prover alimentação de qualidade com apenas 50 centavos por dia por estudante.
A Complementação de Recursos e Desafios Regionais
É importante destacar que, além dos repasses do governo federal, estados e municípios também precisam complementar o valor com verbas próprias. Por outro lado, um levantamento do ÓAÊ revela uma realidade preocupante: mais de 30% dos municípios das regiões Norte e Nordeste do Brasil não conseguem realizar essa complementação desde 2022. Esta situação agrava ainda mais a defasagem e compromete a oferta de uma alimentação adequada nessas áreas.
Mariana Santarelli argumenta que, apesar do reconhecimento global, o orçamento do PNAE frequentemente “fica muito à mercê da vontade política dos governantes”. Em vista disso, ela defende a criação de mecanismos que proporcionem estabilidade à política. Ela anseia por uma estrutura independente das decisões do Congresso Nacional ou do Executivo Federal, visando garantir a perenidade e a eficácia do programa.
Propostas para Garantir a Sustentabilidade do PNAE
Em busca de soluções, Luana de Lima Cunha defende a atualização orçamentária do PNAE com base no IPCA-Alimentos e Bebidas. Conforme ela, este indicador é o mais adequado para proteger o programa das flutuações de preços dos alimentos e das defasagens causadas pelos processos inflacionários. Além disso, o Congresso Nacional atualmente analisa 15 projetos de lei que propõem gatilhos para o reajuste automático do PNAE, porém todos permanecem parados.
Fernanda Pacobahyba, presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão gestor do programa, concorda com a relevância de criar gatilhos para o reajuste do orçamento do PNAE. Ela afirma que a instituição é “muito favorável”. No entanto, Pacobahyba reconhece que o contexto orçamentário é complexo e envolve uma disputa constante, especialmente no âmbito do Congresso Nacional. Ademais, ela aponta outro caminho para reforçar a eficiência do programa: a exclusão do PNAE da política de contenção de gastos públicos, conhecida como arcabouço fiscal. Atualmente, o PNAE está incluído nessas regras. “A gente precisa seguir as regras”, ela conclui, indicando a necessidade de uma mudança legislativa para tal.
A Busca por uma Alimentação Mais Saudável
Paralelamente aos desafios orçamentários, o governo federal implementou medidas para aprimorar a qualidade nutricional da merenda escolar. Em fevereiro deste ano, por exemplo, o limite de alimentos processados e ultraprocessados que podem compor o cardápio das escolas públicas via PNAE foi reduzido de 20% para 15%, com vigência a partir de 2025. O propósito principal desta iniciativa é oferecer refeições mais saudáveis aos estudantes, priorizando itens nutritivos, produção local e a diversidade da cultura alimentar de cada região do Brasil. Progressivamente, em 2026, o limite de ultraprocessados na merenda será diminuído ainda mais, chegando a até 10%.
O Alcance Gigantesco do Programa
O PNAE demonstra a sua vasta envergadura ao atender 40 milhões de crianças e jovens distribuídos em 150 mil escolas, abrangendo os 5.570 municípios brasileiros. Diariamente, o programa serve cerca de 50 milhões de refeições, totalizando aproximadamente 10 bilhões de refeições por ano, com um custo anual estimado em R$ 5,5 bilhões. Este gigantesco esforço nacional sublinha a urgência de garantir a sustentabilidade e a adequação de seu orçamento para continuar promovendo a segurança alimentar e o desenvolvimento educacional.