A mancha de poluição do Rio Tietê registrou uma diminuição de 15,9%, passando de 207 quilômetros (km) em 2024 para 174 km previstos para 2025. Apesar desta redução, a Fundação SOS Mata Atlântica alerta que a qualidade da água do maior rio paulista permanece precária e vulnerável. Segundo o recente estudo “Observando o Tietê”, apenas um dos pontos avaliados em toda a bacia apresentou condição de água boa, enquanto a maioria continua classificada como regular, ruim ou péssima.
A Pesquisa “Observando o Tietê”
Lançada às vésperas do Dia do Rio Tietê, em 22 de setembro, a pesquisa da SOS Mata Atlântica examinou 55 pontos em 41 rios que compõem a bacia. O levantamento baseia-se no Índice de Qualidade da Água (IQA), que avalia parâmetros físicos, químicos e biológicos, incluindo oxigênio dissolvido, coliformes fecais, turbidez, fosfato, nitrato e pH. Desse modo, as análises classificam a água em categorias como ótima, boa, regular, ruim ou péssima.
Gustavo Veronesi, coordenador do projeto Observando os Rios na SOS Mata Atlântica, destacou que os resultados do relatório indicam uma estagnação preocupante na melhoria da qualidade da água dos rios. Conforme Veronesi, “não tivemos grandes melhorias a não ser a redução da mancha de poluição em relação ao ano passado, mas que ainda está maior do que em anos anteriores”. Além disso, apenas 1,8% dos pontos monitorados foram considerados de boa qualidade, enquanto a grande maioria se distribuiu entre regular (61,8%), ruim (27,3%) ou péssima (9,1%). Notavelmente, nenhuma amostra atingiu a classificação de ótima qualidade.
Retrocessos na Qualidade da Água
A bacia do Tietê, que abrange 265 municípios e mais de 9 milhões de hectares, com 79% de seu território inserido na Mata Atlântica, demonstrou um ciclo de recuperação entre 2016 e 2021. Durante esse período, a qualidade da água apresentou melhoras, e a mancha de poluição atingiu seu menor patamar recente, com 85 km. Entretanto, a partir de 2022, essa tendência positiva se inverteu, ou seja, a mancha de poluição voltou a crescer, culminando em um pico de 207 km em 2024. Simultaneamente, os trechos com água de boa qualidade na bacia diminuíram consideravelmente.
Ao analisar a série histórica, Veronesi apontou que a piora observada em 2024 não configurou um evento isolado, mas sim o agravamento de uma regressão iniciada em 2022. Portanto, mesmo com as oscilações anuais, a qualidade do Tietê permanece altamente vulnerável, e não há indícios consistentes de uma recuperação duradoura.
A Perda Alarmante de Água de Boa Qualidade
A perda expressiva de água de boa qualidade no rio representa um motivo de grande preocupação. No trecho entre a nascente, em Salesópolis, e Barra Bonita — correspondente aos primeiros 576 km do Tietê — o relatório aponta que 120 km apresentaram qualidade ruim (ante 131 km em 2024) e outros 54 km foram classificados como péssimos (eram 76 km no ano anterior). Contudo, a água de boa qualidade restringiu-se a apenas 34 km, localizados entre Salesópolis e Biritiba Mirim, o que representa uma drástica redução de mais de 70% em comparação aos 119 km registrados em 2024. Por outro lado, a condição regular avançou para 368 km, contra 250 km no ano passado.
Embora o predomínio da condição regular possa ser visto como um avanço em relação a cenários anteriores, a SOS Mata Atlântica adverte que essa classificação ainda impõe restrições severas aos usos múltiplos da água. Além disso, ela evidencia a elevada vulnerabilidade do rio, que está constantemente exposto a diversos fatores de degradação.
Fatores de Vulnerabilidade e Pressões Ambientais
Veronesi explicou que a qualidade da água do Tietê permanece extremamente suscetível a variações climáticas, à descarga de esgoto tratado e não tratado, às operações de barragens, aos efeitos de eventos climáticos extremos e a acidentes ambientais. Isso reforça a necessidade de vigilância contínua e a urgência de implementar ações estruturais de despoluição. A vulnerabilidade do rio é ainda mais acentuada pela redução significativa das chuvas nos últimos anos, passando de 2.050 mm em 2010 para 1.072 mm em 2024, o que compromete a diluição de poluentes.
Adicionalmente, incidentes como o rompimento de um interceptor de esgoto na Marginal Tietê, em julho, e despejos irregulares no Rio Pinheiros e no próprio Tietê, em junho e agosto, contribuíram para anular parte dos avanços recentes. O especialista ressaltou a enorme dificuldade em atingir uma boa qualidade hídrica, uma vez que “é muito mais fácil poluir um rio do que despoluir”. Para ele, esse esforço gigantesco exige a colaboração de toda a sociedade, com responsabilidades maiores recaindo sobre os poderes públicos (estaduais e municipais) e as empresas, que também possuem um papel crucial no processo de despoluição.
Um dos fatores que impactam diretamente a poluição dos rios é o descarte inadequado de lixo, que acaba invariavelmente chegando ao Tietê. Veronesi mencionou que a lei de resíduos sólidos prevê a logística reversa, mas na prática, essa medida não é plenamente aplicada. Consequentemente, as empresas muitas vezes não assumem a responsabilidade pelas embalagens que geram essa poluição, exacerbando o problema.
Desafios e Ações Essenciais para a Despoluição
Para o coordenador, a continuidade das obras de despoluição do Tietê é fundamental para a redução da mancha, sendo um processo que deve ser constante. Ele expressou a esperança de que os trabalhos persistam, permitindo que, no futuro, novas notícias de redução sejam divulgadas. A propósito, a atenção ao saneamento básico e ambiental, especialmente na Bacia do Alto Tietê – que compreende a região metropolitana de São Paulo e o maior aglomerado urbano da América do Sul – precisa ser contínua e ininterrupta.
Veronesi enfatizou que uma parcela considerável dessa população carece de serviços de saneamento básico e, muitas vezes, nem sequer tem acesso a moradia digna. Dessa forma, ele defende a necessidade de justiça social e a melhoria da qualidade das habitações, tornando-as mais dignas para as pessoas e garantindo que estejam conectadas à rede de esgoto. Segundo ele, “não dá para cobrar que as pessoas estejam ligadas à rede de esgoto, se nem onde morar, muitas vezes, elas têm.”
Ademais, a despoluição dos rios não depende apenas do tratamento de esgoto. Veronesi citou a importância do manejo adequado dos resíduos sólidos, a melhoria do uso e ocupação do solo nas bacias por onde o Tietê passa, a construção de mais parques lineares nas margens dos rios, a proteção de nascentes, além, é claro, do avanço no saneamento básico. Portanto, uma abordagem multifacetada é indispensável.
Revisão da Classificação e Responsabilidades
O Rio Tietê possui diversas classificações de enquadramento da água, que variam conforme os usos preponderantes em cada uma de suas regiões hidrográficas. Definida por lei, essa classificação vai da Classe Especial até a Classe 4, sendo esta última a mais permissiva em relação ao recebimento de poluentes. Na região do Alto Tietê, as áreas de manancial são enquadradas na Classe 1. Por outro lado, grande parte dos rios e córregos urbanos, como o Tamanduateí, o Pinheiros e o próprio Tietê, no trecho entre Guarulhos e Pirapora do Bom Jesus, está classificada na Classe 4.
Veronesi reiterou que alguns trechos ainda apresentam qualidade péssima, mesmo após décadas de investimentos em recuperação. Assim sendo, para uma recuperação efetiva dos rios da bacia, ele avalia que a manutenção da Classe 4 como referência precisa ser revista. Em conclusão, uma mudança na política de classificação e um compromisso renovado com ações abrangentes são cruciais para a revitalização duradoura do Rio Tietê.