A Câmara dos Deputados promoveu, na madrugada desta quarta-feira (17), um revés significativo na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem ao derrubar o voto secreto para processos criminais contra parlamentares. A decisão, que ocorreu por insuficiência de quórum durante a votação do destaque, surpreendeu muitos e adiciona uma nova camada de complexidade ao trâmite da proposta, também conhecida como PEC das Prerrogativas.
Detalhes da Votação e o Impacto do Quórum
O resultado da votação do destaque que visava eliminar o termo “secreto” do texto foi de 296 votos pela manutenção do voto secreto. Entretanto, para que a regra do sigilo fosse mantida, um mínimo de 308 votos favoráveis era necessário, ou seja, 12 votos a menos do exigido constitucionalmente para emendas. Por outro lado, 174 parlamentares optaram por apoiar o destaque apresentado pelo partido Novo, que, por sua vez, defendia a exclusão do caráter secreto da votação.
Dessa forma, a incapacidade de atingir o quórum qualificado necessário para alterar a Constituição federal acabou por resultar na eliminação do voto secreto, um ponto crucial para a tramitação de processos criminais contra membros do Congresso Nacional. A votação, realizada nas primeiras horas do dia, evidencia as tensões e as divisões dentro da Casa Legislativa em relação a temas que envolvem a blindagem e as prerrogativas parlamentares.
Posicionamentos Partidários e o Debate sobre a Transparência
A questão do voto secreto gerou uma clara polarização entre os partidos. Um bloco robusto, composto por legendas como PL, União Brasil, PP, PSD, Republicanos, MDB, PSDB, Cidadania e Podemos, juntamente com a oposição, posicionou-se a favor da manutenção do sigilo. Eles argumentavam pela necessidade de proteger os parlamentares de possíveis pressões ou retaliações ao votar em questões delicadas que envolvem colegas.
Por outro lado, partidos como PT, PSOL, Rede e Novo manifestaram-se veementemente contra o voto secreto em processos que autorizam ações penais contra deputados e senadores, defendendo a transparência. O governo, em um movimento estratégico, optou por liberar suas bancadas, permitindo que cada parlamentar votasse conforme sua convicção, o que possivelmente contribuiu para a fragmentação dos votos e a não obtenção do quórum necessário.
Argumentos em Defesa do Voto Secreto
O líder da oposição, Cabo Gilberto Silva (PL-PB), defendeu o voto secreto como uma salvaguarda. Ele argumentou que, ao votar abertamente sobre a instauração de processos criminais contra um colega, os parlamentares estariam sujeitos a “chantagens”. O deputado, ademais, afirmou que, caso algum parlamentar desejasse publicizar seu voto, poderia fazê-lo de forma individual, seja declarando-o oralmente ou registrando-o em vídeo, sem que a regra geral exigisse o voto aberto para todos.
Argumentos pela Transparência do Voto
Em contraste, o deputado Helder Salomão (PT-ES) rebateu o argumento, destacando a diferença fundamental entre o sigilo do voto para o eleitor e a transparência para o eleito. Segundo Salomão, enquanto o cidadão comum precisa do sigilo para exercer sua liberdade de escolha na urna, o parlamentar, por ser um representante público, tem a obrigação de manifestar seu posicionamento de forma clara e visível. Para ele, o eleito não deve ter o direito de “votar às escondidas”, uma vez que sua atuação deve ser do conhecimento de seus eleitores.
A Essência da PEC da Blindagem
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem estabelece um marco significativo para o tratamento de processos criminais envolvendo deputados e senadores. Conforme a proposta, qualquer ação penal contra esses parlamentares no Supremo Tribunal Federal (STF) só poderá ser iniciada mediante autorização prévia da Câmara ou do Senado, um prazo de até 90 dias após a apresentação da denúncia para qualquer tipo de crime.
Além disso, a PEC aborda situações de flagrante. Mesmo em casos de prisão em flagrante por crimes inafiançáveis — como homicídio ou estupro — a proposta exige que a Casa Legislativa do parlamentar autorize a manutenção da prisão em até 24 horas. Essa medida visa conferir maior proteção aos membros do Congresso, transferindo para o legislativo a decisão sobre a continuidade de processos e prisões que os envolvam.
Implicações e o Cenário Político da PEC
É importante ressaltar que o texto-base da PEC da Blindagem já havia sido aprovado em primeiro e segundo turnos na noite da última terça-feira, mediante um processo acelerado de quebra de interstício. A proposta ainda expande o rol de beneficiários do foro especial no Supremo Tribunal Federal (STF), incluindo presidentes de partidos que possuam representação no Congresso Nacional. Atualmente, apenas o presidente e vice-presidente da República, deputados, senadores, ministros de Estado, membros de tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União (TCU) e embaixadores usufruem do foro por prerrogativa de função.
O debate em torno da PEC da Blindagem ganhou força e urgência no contexto político atual, notadamente após o julgamento e condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado. Ademais, a tramitação da proposta ocorre em meio a medidas cautelares e processos judiciais contra parlamentares supostamente envolvidos no movimento golpista de 2022. Críticos da medida apontam que a PEC pode dificultar investigações contra deputados envolvidos em desvio de dinheiro público por meio de emendas parlamentares, enquanto seus defensores a veem como uma barreira necessária contra “perseguições políticas” do Judiciário, garantindo a independência do mandato parlamentar.