A renomada cantora Fabiana Cozza, em sua emocionante apresentação do show “Dos Santos” no Festival Artes Vertentes, em Tiradentes (MG), fez um poderoso apelo à união e ao combate à intolerância. A artista, conhecida por sua voz singular e engajamento, utilizou a atmosfera do festival para reiterar a importância da solidariedade e da rejeição a discursos divisórios. Este espetáculo não apenas celebrou a riqueza da música brasileira, mas também promoveu um diálogo essencial sobre coletividade e respeito mútuo, ressoando profundamente com o público presente.
A Gênese de “Dos Santos” e Sua Mensagem Central
O álbum “Dos Santos”, que serviu como base para a performance de Fabiana Cozza, é descrito pela própria cantora como uma “reza conjunta”, enfatizando a impossibilidade de se caminhar ou de se realizar qualquer coisa sozinho. Primordialmente, a gravação do disco teve início em 2019 e seu lançamento ocorreu em 2020, em um período desafiador marcado pela pandemia global. A obra contou com a colaboração de diversos artistas, para os quais Fabiana, sendo candomblecista, solicitou composições dedicadas a diferentes orixás. Nesse sentido, o projeto nasceu de um espírito intrinsecamente colaborativo e, conforme a artista relata, tornou-se um refúgio e um suporte para muitas pessoas durante os momentos mais críticos da crise sanitária e humanitária mundial.
Adicionalmente, Fabiana Cozza destaca que o álbum se contrapõe diretamente a uma mentalidade individualista. Ela argumenta que, em um tempo e em um mundo onde políticas “matadoras” promovem o sujeito isolado e desconsideram sonhos coletivos, “Dos Santos” emerge como uma manifestação de gente, feita por muita gente. Dessa forma, o trabalho ressoa como um hino à união, oferecendo uma perspectiva oposta à norma da individualidade.
Tiradentes como Palco de Memória e Resistência
A escolha de Tiradentes para a apresentação do show “Dos Santos” não foi aleatória, mas sim uma homenagem deliberada à cidade mineira. Fabiana Cozza descreve Tiradentes como um local repleto de mistérios e dores, cuja história é profundamente marcada pela violência da escravidão. Entretanto, ela também a vê como um espaço de reinvenção, impulsionada pela presença e resiliência de seus habitantes, especialmente a população negra local.
A história da cidade remonta a 1702, quando garimpeiros paulistas descobriram ouro nas encostas da Serra de São José, dando origem ao arraial de Santo Antônio do Rio das Mortes. Posteriormente, o local foi conhecido como Arraial Velho e, em 1718, foi elevado à categoria de vila, recebendo o nome de São José. Somente em 1889, com a Proclamação da República, a cidade foi rebatizada como Tiradentes, em honra a Joaquim José da Silva Xavier, figura proeminente da Inconfidência Mineira. Durante todo o século XVIII, Vila de São José prosperou pela exploração de ouro, sendo um polo produtor crucial em Minas Gerais, onde, estima-se, 22 mil pessoas escravizadas foram forçadas a trabalhar.
Além disso, o festival em Tiradentes contou com a significativa presença de congadeiros, moçambiqueiros e diversos mestres e mestras da cultura popular que residem na região. Portanto, Fabiana Cozza ressaltou que o trabalho apresentado no festival foi não apenas para essas pessoas, mas também inspirado por elas, reconhecendo sua contribuição vital para a identidade cultural e a resistência da cidade.
O Chamado à União Contra Preconceitos
Reconhecida como uma das vozes mais expressivas de sua geração, Fabiana Cozza coleciona prêmios importantes, incluindo o de Melhor Cantora de Samba no Prêmio da Música Brasileira e Melhor Álbum em Língua Estrangeira. Após sua performance no domingo (14), a artista concedeu uma entrevista à Agência Brasil, na qual expressou sua profunda preocupação com a ascensão da ultradireita e o aumento de preconceitos e intolerâncias tanto no Brasil quanto globalmente.
Nesse contexto, Fabiana Cozza enfatizou veementemente a necessidade de união entre as pessoas. Ela argumentou que é imperativo que indivíduos estejam juntos e, por conseguinte, deem um passo atrás na forma como muitas vezes tentam impor suas próprias visões ou pensamentos. Sem essa disposição de ceder e dialogar, segundo a cantora, torna-se impossível construir algo coletivamente e compor um futuro de forma harmoniosa.
A Proposta do Festival Artes Vertentes
A 14ª edição do Festival Artes Vertentes, que sediou o marcante show “Dos Santos”, teve como tema central “Entre as margens do Atlântico”. Este tema propôs um diálogo cultural rico e complexo entre três continentes historicamente interligados: América, África e Europa. Além disso, a programação de 2025 integrou-se à “Temporada França-Brasil”, uma iniciativa que se estende até o final do ano em quinze cidades brasileiras, visando fortalecer os laços culturais entre os dois países.
O festival, com sua extensa programação, prosseguiu até o dia 21. A maioria das atividades foi concentrada em Tiradentes, mas também houve eventos em São João del Rei e Bichinho. Nessas localidades, por exemplo, foram realizadas mostras de cinema que abordaram temas como memória, ancestralidade e resistência. Vale ressaltar que grande parte da programação do Festival Artes Vertentes foi oferecida gratuitamente ao público, garantindo acessibilidade a diversas manifestações culturais. Mais detalhes sobre a programação completa podem ser encontrados no site oficial do festival.