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Corpo de pianista brasileiro morto pela ditadura argentina identificado após 50 anos

Após quase 50 anos, o corpo do pianista brasileiro Francisco Tenório Cerqueira Júnior, morto pela ditadura argentina em 1976, é identificado em Buenos Aires.
Pianista brasileiro Tenório Júnior identificado
Foto: Argentina

Após quase cinco décadas de mistério e dor, o corpo do renomado pianista brasileiro Francisco Tenório Cerqueira Júnior, brutalmente assassinado pela ditadura militar argentina em 1976, foi finalmente identificado em Buenos Aires. Esta revelação encerra um longo período de incerteza para a família e para a história do país, representando um marco significativo na busca por justiça e verdade.

A Descoberta Após Meio Século

A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) trouxe à luz, neste sábado (13), a elucidação do desaparecimento de Francisco Tenório Cerqueira Júnior, ocorrido em 18 de março de 1976. Naquele dia fatídico, o músico saiu do Hotel Normandie, situado na região central de Buenos Aires, e nunca mais foi visto. À época, ele acompanhava os ícones da música brasileira Toquinho e Vinícius de Moraes em uma importante turnê pela América do Sul.

Conforme informações divulgadas pela Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), Tenório Júnior foi vítima de disparos e teve seu corpo enterrado sem qualquer identificação em uma vala comum na periferia da capital argentina. O reconhecimento do músico, conforme detalhado pela comissão, foi alcançado por meio de um minucioso processo de datiloscopia, ou seja, a comparação de impressões digitais humanas, uma técnica crucial para casos de identificação complexos.

O assassinato do pianista ocorreu na madrugada de 18 de março, poucos dias antes de um golpe de Estado iminente. Posteriormente, esse golpe deporia María Estela Martinez Perón da presidência da Argentina, inaugurando um período sombrio de ditadura militar no país, marcado por intensa repressão e violações dos direitos humanos.

O Caminho para a Identificação

A identificação de Francisco Tenório Júnior foi viabilizada graças a um extenso levantamento conduzido pela Procuraduría de Crímenes contra la Humanidad. Anteriormente, entre os anos de 1975 e 1983, ações judiciais haviam sido iniciadas na província de Buenos Aires para investigar cadáveres encontrados em vias públicas, contudo, muitos desses casos foram arquivados sem que a identidade das vítimas fosse determinada. O trabalho recente visou justamente investigar a possibilidade de que tais ocorrências pudessem estar ligadas à violência estatal da ditadura argentina.

Dessa forma, a investigação aprofundada da EAAF, sob a ordem da Cámara Federal de Apelaciones en lo Criminal y Correccional de la Capital Federal de Buenos Aires, foi decisiva. Foi possível, portanto, confirmar a morte e o paradeiro do corpo de Francisco Tenório Cerqueira Júnior após a comparação das impressões digitais de um corpo masculino, encontrado em um terreno baldio na região de Tigre, próximo a Buenos Aires, em 20 de março de 1976. Essa descoberta é um passo fundamental para o esclarecimento do caso.

No entanto, a CEMDP informou que ainda não há certeza sobre a possibilidade de exumar o corpo do Cemitério de Benavídez, também na capital argentina, para a realização de uma comparação de amostra genética. Este procedimento adicional, se realizado, poderia trazer ainda mais dados conclusivos, solidificando as evidências já apresentadas.

O Legado da Operação Condor

A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos tem acompanhado de perto este caso específico, além de outros inúmeros processos relacionados à infame Operação Condor. Esta aliança sinistra, estabelecida entre as ditaduras militares da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai durante a década de 1970, tinha como objetivo primordial vigiar, sequestrar, torturar, assassinar e desaparecer com militantes políticos que se opunham, armada ou não, aos regimes totalitários. A identificação de Tenório Júnior, portanto, sublinha a extensão transnacional da repressão.

A CEMDP segue um procedimento rigoroso para esses casos. Este envolve a coleta de dados datiloscópicos de brasileiros desaparecidos em outras nações, assim como amostras sanguíneas de seus familiares. Posteriormente, esses materiais são enviados e intercambiados com as autoridades dos locais de desaparecimento, facilitando descobertas cruciais, tal como a que se concretizou no presente caso. Assim, a colaboração internacional é vital para avançar na elucidação de crimes contra a humanidade.

Apoio à Família e Busca Contínua

Imediatamente após receber a notificação da EAAF, a CEMDP procurou e comunicou a família do músico, prestando-lhes todo o suporte necessário neste momento delicado. Além disso, a comissão reiterou que permanece à disposição para oferecer apoio contínuo aos familiares durante todo o processo. Compromete-se, igualmente, a colaborar ativamente com todos os esforços e diligências que visem à localização dos remanescentes humanos do artista brasileiro, vítima da violência política de Estado na América Latina, Francisco Tenório Cerqueira Júnior. Desse modo, a busca por completa reparação e dignidade prossegue.

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