Ahmed Mohamad Oliveira, ex-ministro da Previdência Social durante o governo Bolsonaro e antigo presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), declarou na quinta-feira, dia 11, perante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que a instituição carece de capacidade para fiscalizar os Acordos de Cooperação Técnica (ACTs). Estes acordos, estabelecidos entre o INSS e outras entidades públicas ou organizações da sociedade civil, estão sob investigação devido a suspeitas de fraudes generalizadas, levantando sérias questões sobre a supervisão dos descontos em benefícios previdenciários.
Ao ser questionado pelo deputado federal Alfredo Gaspar (União-AL), relator da CPMI, sobre os protocolos e métodos que utilizava como diretor de Benefícios do INSS para aprovar a formalização desses acordos com entidades civis, Oliveira foi enfático. Ele afirmou que “o INSS não tem condição absolutamente nenhuma de fiscalizar ACTs”, destacando a fragilidade do sistema de controle interno da autarquia.
Em sua defesa, Oliveira caracterizou o processo de análise para a formalização dessas parcerias como um procedimento “meramente mecânico”. Ele explicou que, em sua função de diretor, essencialmente “acolhia aquilo que vinha da linha inteira” da tramitação. Assim, as entidades, como associações de aposentados e sindicatos, solicitavam a celebração de acordos para oferecer aos seus membros a dedução de mensalidades diretamente dos benefícios previdenciários.
De acordo com o ex-ministro, tais requerimentos passavam pela avaliação de diversos departamentos internos do INSS para assegurar a conformidade legal. Contudo, o estágio final, que envolvia a aposição de sua assinatura, era predominantemente um “processo virtual”, o qual descreveu como “bastante frio e distante”. Deste modo, ele justificou ter aprovado a assinatura dos acordos, mesmo reconhecendo que o INSS não possuía a infraestrutura ou os recursos necessários para efetivamente fiscalizar a execução das obrigações decorrentes dessas parcerias.
Ahmed Mohamad Oliveira é um servidor de carreira do próprio INSS. Ele ocupou a presidência do instituto de novembro de 2021 a março de 2022. Em seguida, assumiu o Ministério da Previdência Social, onde permaneceu até o encerramento do governo Bolsonaro, em 31 de dezembro de 2022. É relevante mencionar que, durante esse período, ele era conhecido como José Carlos Oliveira, tendo alterado seu nome por razões religiosas em data mais recente.
Oliveira compareceu à CPMI como convidado. A comissão, composta por 16 senadores e 16 deputados federais, tem como objetivo principal investigar possíveis falhas ou omissões relacionadas às crescentes reclamações e denúncias que surgiam durante sua gestão.
Entenda as Fraudes nos Descontos
Os Acordos de Cooperação Técnica (ACTs), que possibilitam a organizações da sociedade civil realizar cobranças de mensalidades associativas diretamente dos benefícios previdenciários de milhões de aposentados e pensionistas brasileiros, foram suspensos para averiguação. Essa medida foi tomada em abril deste ano, simultaneamente à deflagração da Operação Sem Desconto pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU).
A referida operação revelou um esquema criminoso intrincado, focado nos descontos indevidos de mensalidades associativas. O esquema envolvia diversas entidades que haviam sido autorizadas a oferecer a seus filiados a conveniência do desconto direto em folha. Até a semana anterior à deflagração, mais de 5,58 milhões de indivíduos já haviam contestado essas cobranças, e mais de 2,2 milhões de segurados do INSS já tinham recebido o ressarcimento pelos valores descontados ilegalmente de seus benefícios.
As investigações subsequentes trouxeram à tona que uma parcela significativa das vítimas dessa fraude sequer tinha conhecimento das entidades que realizavam as cobranças das mensalidades, frequentemente utilizando-se de documentos falsificados para efetivar os descontos. Em uma análise aprofundada, dados fornecidos pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo próprio INSS — disponíveis publicamente — evidenciam um crescimento constante no montante deduzido de pensionistas e aposentados por meio dos descontos associativos desde 2016, independentemente de serem autorizados ou não.
A progressão desses descontos é notável. Em 2016, por exemplo, o total atingiu R$ 413 milhões. No ano seguinte, em 2017, esse montante subiu para R$ 460 milhões, e em 2018, observou-se um salto para R$ 617 milhões. Embora tenha havido uma ligeira queda para R$ 604 milhões em 2019, e uma redução mais acentuada para R$ 510 milhões em 2020, em grande parte devido aos impactos da pandemia de Covid-19, a tendência de aumento logo se restabeleceu. Assim, em 2021, os descontos somaram R$ 536 milhões, alcançando R$ 706 milhões em 2022. Posteriormente, em 2023, o valor disparou para R$ 1,2 bilhão, e no ano passado, registrou-se um impressionante total de R$ 2,8 bilhões, evidenciando a escalada exponencial do problema.
Alegação de Desconhecimento e Prioridades da Gestão
Durante seu depoimento perante a CPMI, Ahmed Mohamad Oliveira assegurou que somente tomou ciência das fraudes envolvendo os descontos associativos após a instauração da Operação Sem Desconto. Ele reiterou que os pedidos para esses acordos eram processados por diversos setores técnicos antes de chegarem à sua mesa, o que, consequentemente, impedia uma análise pessoal e minuciosa de cada proposta individualmente.
Oliveira enfatizou que, no período de sua gestão em 2021, o INSS lidava com um grande volume de outras questões urgentes. Ele mencionou a existência de “mais de 60 apontamentos da CGU” e “500 acórdãos do TCU”, mas ressaltou que “nenhum deles dizia respeito a esta modalidade do desconto associativo”. Por essa razão, conforme explicou, a atenção do instituto não estava direcionada para essa específica modalidade de desconto.
Naquela época, a prioridade estava voltada para o “reconhecimento de direitos e na fila de 2,8 milhões de processos parados”, muitos dos quais aguardavam análise por mais de 100 dias. Portanto, como diretor de Benefícios, ele meramente “acolhia aquilo que vinha da linha inteira” da tramitação, sem aprofundar-se nos detalhes da fiscalização dos ACTs, dada a urgência de outras demandas.
Oliveira fez questão de sublinhar que “o INSS não se beneficia com nenhum desconto” proveniente dessas mensalidades. Essa afirmação corrobora a posição de seu sucessor no Ministério da Previdência Social, o ex-ministro Carlos Lupi. Anteriormente, após a Operação Sem Desconto, Lupi havia expressado publicamente que sempre foi contrário aos descontos das mensalidades associativas em benefícios previdenciários, conforme noticiado. Lupi argumentava que essa prática apenas gera custos adicionais e sobrecarrega o trabalho do instituto, sem que haja qualquer retorno financeiro para a autarquia.
O ex-ministro Oliveira, por sua vez, complementou que o papel do INSS limita-se a “apenas operacionalizar o que a lei determina”. Nesse sentido, ele defende que, caso tenham ocorrido abusos e irregularidades, a responsabilidade recai sobre “entidades externas”, as quais devem ser “investigadas e punidas com o devido rigor”. Além disso, ele enfatizou que, se comprovado o envolvimento de qualquer servidor público nas fraudes, este também deverá ser “punido” de acordo com a legislação vigente.
A Perspectiva da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
Durante um intervalo do depoimento, o senador Carlos Viana (Podemos-MG), que preside a CPMI, conversou com jornalistas. Ele garantiu que todas as informações apresentadas pelos depoentes serão meticulosamente verificadas, confrontadas tanto entre si quanto com os documentos oficiais que a comissão conseguiu obter. Esta metodologia visa garantir a máxima precisão e imparcialidade na apuração dos fatos.
Viana expressou uma preocupação que ecoa o sentimento de muitos cidadãos. “Há momentos em que a sensação que eu tenho é a mesma de pessoas que me abordam nas ruas: ninguém sabe de nada, ninguém viu nada, ninguém conheceu ninguém e só ficou sabendo depois que a PF se manifestou”, declarou o senador. Ele prosseguiu, afirmando que, em certos momentos, “parece que os aposentados roubados é que são culpados”. No entanto, o presidente da comissão fez um compromisso firme: “não vamos deixar que esta sensação perdure”, sinalizando a determinação da CPMI em buscar a verdade e a justiça para as vítimas.