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Estudo: Amazônia 2°C mais quente e seca devido a desmate e clima

Estudo da USP revela que a Amazônia brasileira está 2°C mais quente e sofreu estiagem severa de 1985 a 2020, impulsionada pelo desmatamento.
Foto: TV Brasil

A Amazônia brasileira enfrenta uma crise climática intensificada, com um aumento de 2°C em sua temperatura média e períodos de estiagem severos entre 1985 e 2020. Uma pesquisa pioneira, liderada por cientistas da Universidade de São Paulo (USP), aponta o desmatamento como o principal catalisador dessa degradação, contribuindo significativamente para a redução das chuvas e a elevação térmica no bioma. Este estudo, publicado na revista Nature, analisou mais de três décadas de dados climáticos e de supressão vegetal, revelando a urgência de ações para reverter o cenário.

O Aprofundamento da Crise Climática na Amazônia

O estudo da USP detalhou que, no intervalo de 35 anos, a temperatura da floresta amazônica registrou um acréscimo de 2 graus Celsius, concomitantemente a uma intensificação dos períodos de seca. Os pesquisadores cruzaram dados de desmatamento, precipitação e temperatura, o que permitiu uma análise profunda do impacto tanto da devastação local quanto das emissões globais de gases de efeito estufa. Consequentemente, foi identificado que o desmatamento é responsável por 74,5% da diminuição das chuvas e por 16,5% do aumento da temperatura no bioma durante os meses de estiagem. Além disso, os resultados demonstram a interconexão intrínseca entre a saúde da floresta e os padrões climáticos regionais e globais.

Metodologia Detalhada por Blocos de Análise

Para alcançar a alta precisão dos resultados, os pesquisadores dividiram o território amazônico em 29 blocos de análise, cada um com uma área delimitada de 300 por 300 quilômetros. Essa abordagem permitiu examinar o comportamento climático em uma escala ampla, considerando sistemas de chuvas e padrões meteorológicos de grande extensão. Entretanto, a precisão da observação não foi comprometida, pois o mapeamento de supressão de vegetação da rede MapBiomas forneceu uma “visão” detalhada de até 30 metros. Desse modo, ao cruzar essas informações, foi possível rastrear como as alterações na cobertura vegetal ao longo das décadas impactaram diretamente a precipitação e a temperatura em diversas regiões da Amazônia.

Alerta para um Futuro Próximo

As descobertas do estudo servem como um sério alerta: se os atuais ritmos de devastação na Amazônia e de emissão de gases de efeito estufa no planeta persistirem, a região enfrentará extremos climáticos ainda mais severos, aproximando-se perigosamente de um ponto de estresse irreversível. As projeções indicam que, já em 2035, os impactos no equilíbrio ecológico da floresta serão mais profundos. Atualmente, a perda média da cobertura vegetal na Amazônia atinge 19%, mas algumas áreas exibem um alarmante pico de 80% de superfície desmatada. Marco Franco, professor do Instituto de Astronomia da USP e principal autor do artigo, ressalta a complexidade do bioma. “A Amazônia é um bioma bastante complexo, que recebe umidade do oceano e tem dinâmica bastante equilibrada a respeito do ciclo hidrológico. Ela já está impactada, precisamos começar a reverter este processo e não há margem para mais fatores de estresse do bioma, internos ou não”, afirmou Franco, cujo trabalho obteve destaque na revista Nature.

Impactos Tangíveis e Limiares de Dano

Embora os pesquisadores evitem o termo “ponto de não retorno” pela falta de consenso científico, eles são enfáticos ao afirmar que não existe margem segura para continuar com a exploração desenfreada na região. Em outras palavras, grandes empreendimentos, como minas e usinas hidrelétricas, podem desequilibrar ainda mais o ecossistema, com potencial para afetar vastas extensões territoriais. Franco também destacou impactos já perceptíveis na agricultura. “Isso já tem sido sentido na produção da safrinha, que é uma condição rara do nosso agronegócio, em relação ao mundo. Em algumas áreas do bioma ela tem tido quedas relevantes. A seca está aumentando, em média, 12 dias a cada 10 anos”, explicou. Além disso, o estudo aponta que os efeitos negativos começam a ser sentidos com uma supressão relativamente pequena da vegetação, a partir de 10% de perda nas áreas analisadas. Ademais, taxas de supressão entre 10% e 40% da vegetação nativa provocam uma queda mais brusca nas chuvas e acentuam o aumento das temperaturas locais, tornando a tarefa de reflorestamento cada vez mais difícil.

A Mensuração da Responsabilidade Global e Local

A clareza dos dados obtidos no estudo torna mais evidente a responsabilidade e a necessidade de cooperação entre os governos, tanto no âmbito nacional quanto internacional. Luiz Machado, que coordenou o levantamento, explicou: “Já sabíamos que as alterações climáticas ocorriam, a partir de outros estudos. Agora conseguimos mensurar isso, o que nos permite sentar e conversar com os responsáveis. Saber o nosso papel, do Brasil, em relação ao desmatamento, e conversar com o resto do mundo sobre o impacto que as emissões de gases globais de efeito estufa têm sobre a floresta”. Segundo os resultados, as chuvas na estação seca apresentaram uma redução anual de cerca de 21 milímetros, sendo 15,8 mm atribuídos ao desmatamento. A temperatura máxima, por sua vez, aumentou aproximadamente 2°C, com 16,5% desse acréscimo relacionado à perda florestal e o restante às mudanças climáticas globais. Essa proporção, entretanto, varia regionalmente. Por exemplo, em áreas da Amazônia oriental com cobertura vegetal próxima ao original (supressão abaixo de 10%), a contribuição para o aumento da temperatura é quase exclusiva das emissões industriais, ligadas aos países do norte global, como Estados Unidos e China. Em contrapartida, no sudeste do bioma, como a região de Santarém, no Pará, o impacto do desmatamento no aumento da temperatura é mais equilibrado, e a influência das secas se mostra bem mais relevante, conforme detalhado por Franco.

Desafios Futuros e a Urgência da Ação

Os pesquisadores alertam que, caso o desmatamento continue sem controle, a extrapolação dos resultados projeta um declínio adicional na precipitação total durante a estação seca e uma elevação ainda maior da temperatura. O próximo desafio do grupo é quantificar o impacto potencial, em diferentes cenários, para a floresta até o ano de 2100. Uma das contribuições cruciais deste trabalho, além da mensuração e comprovação da relação entre desmatamento, precipitações e temperaturas elevadas, reside na disponibilização de parâmetros essenciais para outros grupos de pesquisa. Dessa forma, biólogos e outros cientistas podem utilizar esses dados para entender os impactos em espécies e territórios mais restritos dentro do bioma. Por fim, é importante contextualizar que a Amazônia brasileira perdeu 14% de sua vegetação nativa entre 1985 e 2023, conforme dados do MapBiomas, somando uma área de 553 mil km², equivalente ao território da França, tendo a pastagem como principal vetor. Apesar da queda no desmatamento nos últimos dois anos, o fogo e o avanço de áreas agrícolas continuam a ameaçar criticamente a região.

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