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Jovens mulheres lideram leitura e desafiam estereótipos na periferia de SP

Estudo nas periferias paulistas aponta que jovens mulheres dominam a leitura (70%), buscando gêneros variados como mangás, literatura negra e clássicos, rompendo estereótipos.
Mulheres lideram leitura periferia
Foto: jarmoluk/PixaBay

Um estudo recente, conduzido pela Organização Social Poiesis, revela que jovens mulheres estão na vanguarda do hábito de leitura nas periferias paulistas. O levantamento aponta que elas representam impressionantes 70% do público leitor nas oito unidades das Fábricas de Cultura analisadas, superando a média nacional de mulheres leitoras e desmistificando estereótipos sobre o interesse literário nessas regiões.

O Cenário da Leitura na Periferia Paulistana

A pesquisa da Poiesis, realizada entre janeiro de 2024 e junho de 2025, focou na cena literária das periferias de São Paulo e arredores. Segundo os dados, o percentual de 70% de mulheres jovens liderando a leitura nas Fábricas de Cultura é notavelmente superior à média de 61% registrada para mulheres leitoras em nível nacional. Além disso, as bibliotecas dessas unidades registraram uma média de 197 empréstimos mensais ao longo de 2024, demonstrando um engajamento significativo da comunidade.

O estudo, que abrangeu as bibliotecas localizadas em Brasilândia, Capão Redondo, Diadema, Iguape, Jaçanã, Jardim São Luís, Osasco e Vila Nova Cachoeirinha, evidencia uma notável diversidade de interesses literários. Portanto, o panorama desafia concepções pré-concebidas, mostrando que o gosto literário nessas áreas urbanas não é uniforme nem facilmente previsível.

Amplitude de Gêneros e Autores Consagrados

Nas prateleiras das bibliotecas periféricas, a variedade de títulos surpreende. Mangás populares, como as sagas de One Piece e os contos de horror de Junji Ito, convivem harmoniosamente com obras de autores clássicos da literatura mundial, como o russo Fiódor Dostoiévski e o inglês William Shakespeare. Essa convivência demonstra uma abertura a diferentes culturas e estilos.

Em certas regiões, como Brasilândia, Iguape e Jardim São Luís, os mangás figuram entre os mais procurados. Contudo, em Iguape e Capão Redondo, clássicos como “Noites Brancas”, de Fiódor Dostoiévski; “Orlando”, de Virginia Woolf; e peças de Shakespeare, a exemplo de “Macbeth” e “Otelo”, também ocupam as primeiras posições. Essa predileção por obras complexas revela um profundo interesse por temas como identidade, preconceito, saúde mental, filosofia e política, indicando uma busca por narrativas que estimulem o pensamento crítico.

Ademais, a pesquisa sublinha a intensa circulação de obras de autores racializados e periféricos, especialmente nas unidades de Osasco e Jaçanã. Livros como “Rei de Lata”, de Jefferson Ferreira, e “Olhos d’Água”, de Conceição Evaristo, são exemplos claros da preferência por vozes que espelham as realidades e as vivências locais, ampliando a representatividade no acervo.

Curadoria Coletiva e o Protagonismo Feminino na Leitura

A diversidade das escolhas literárias reflete diretamente o modelo de curadoria coletiva adotado pelas bibliotecas das Fábricas de Cultura. A pesquisa aponta que 38% do acervo é renovado mensalmente com base nas sugestões dos próprios frequentadores. Dessa forma, esse método favorece a inclusão e a representatividade de autores e temas ligados a vozes negras, indígenas e LGBTQIAPN+, garantindo que a coleção seja relevante para sua comunidade.

Um aspecto marcante é o protagonismo feminino nas escolhas literárias. Obras como “Irmã Outsider”, de Audre Lorde; “Canção para menino grande ninar”, de Conceição Evaristo; e “Tudo sobre o amor”, de bell hooks (pseudônimo de Gloria Jean Watkins), estão entre as mais buscadas. Essas escolhas, por sua vez, indicam um claro interesse por narrativas de empoderamento que ecoam as realidades e aspirações das leitoras.

Ifé Rosa, coordenadora Artístico-Pedagógica das bibliotecas, observou que as preferências dos leitores demonstram a importância estratégica das Fábricas de Cultura na ampliação do acesso ao livro. Ela enfatiza que a vasta gama de narrativas, que representa diversas experiências humanas, evidencia a potência do público que encontra nesses espaços uma programação conectada à sua própria vivência.

Em paralelo a essa busca por obras diversas, best-sellers globais também mantêm sua popularidade. Livros como “A Biblioteca da Meia-Noite”, de Matt Haig, um dos mais procurados no Brasil no primeiro semestre de 2024, e a série de quadrinhos “Diário de um Banana”, de Jeff Kinney, são igualmente apreciados nas bibliotecas de Jardim São Luís, Brasilândia, Iguape, Diadema, Osasco e Vila Nova Cachoeirinha.

Fábricas de Cultura: Além do Livro, Desenvolvimento e Comunidade

Espaços de Conhecimento e Transformação

As Fábricas de Cultura, presentes nas zonas norte e sul de São Paulo, Diadema, Osasco e Iguape, são iniciativas do Programa da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, gerenciado pelo Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatura (Poiesis). Esses espaços oferecem acesso gratuito e desempenham um papel crucial na ampliação do conhecimento cultural por meio de uma variedade de atividades artísticas e formativas.

Para além de simplesmente disponibilizar acervos literários, as bibliotecas das Fábricas de Cultura promovem ações culturais inovadoras. Tais iniciativas integram a literatura de forma acessível, afetiva e transformadora ao cotidiano dos frequentadores, com um foco especial no público majoritariamente oriundo da rede pública de ensino. Consequentemente, o impacto dessas atividades vai além da leitura, contribuindo para o desenvolvimento social e cultural.

Oportunidades de aprendizado incluem oficinas criativas, rodas de conversa, mediações literárias, produções artísticas e debates, todos eles diretamente conectados ao acervo. Posteriormente, essas atividades não só enriquecem o repertório cultural dos participantes, mas também posicionam o livro como um elemento central nas experiências vividas nesses ambientes.

Izaias Junior, analista Artístico-Pedagógico Sênior de Bibliotecas das Fábricas de Cultura, ressalta que ao interligar as programações com o acervo, as bibliotecas facilitam o acesso a uma ampla gama de gêneros e estilos literários de maneira lúdica, crítica e afetiva. Ele afirma que essa metodologia auxilia na superação de barreiras simbólicas no acesso ao livro, fortalecendo a leitura como uma ferramenta vital para o desenvolvimento pessoal, criativo e cidadão.

Articulação Comunitária e Acessibilidade

Os espaços das Fábricas de Cultura funcionam também como importantes polos de articulação comunitária e centros culturais periféricos. Por meio de parcerias estratégicas com escolas públicas, Centros para Crianças e Adolescentes (CCAs), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e coletivos locais, o impacto desses equipamentos é ampliado significativamente. Dessa maneira, eles se contrapõem à tendência de elitização de muitos espaços culturais, reafirmando o direito universal ao acesso ao livro e à leitura para todos.

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