Cinco anos após a implementação do Marco Legal do Saneamento Básico, o Brasil ainda enfrenta desafios significativos para universalizar o acesso à água tratada e à coleta de esgoto, conforme revela um estudo recente. Milhões de brasileiros permanecem sem sistemas formais de água e, por conseguinte, uma parcela ainda maior da população carece de coleta e tratamento adequado de esgotos, evidenciando uma evolução lenta nos indicadores nacionais.
Desempenho Atual e Desafios Persistentes
Os dados apresentados no estudo “Avanços do Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil de 2025”, divulgado na terça-feira (19) pelo Instituto Trata Brasil, uma organização focada na pesquisa sobre o saneamento, pintam um quadro de progresso limitado. Atualmente, aproximadamente 34 milhões de pessoas no país não têm acesso a sistemas formais de água, e mais de 90 milhões vivem sem a coleta e o devido tratamento de esgotos.
Entretanto, apesar da estagnação em alguns indicadores, o estudo argumenta que um período de cinco anos pode ser considerado curto para avaliar plenamente as mudanças. A infraestrutura de saneamento exige projetos complexos, licenciamentos e obras demoradas. Dessa forma, é provável que as melhorias mais substanciais nos indicadores se manifestem apenas no médio e longo prazo.
Surpreendentemente, a pesquisa do Instituto Trata Brasil aponta para um retrocesso na oferta de serviços de água. A taxa de atendimento à população, que era de 83,6% em 2019, decresceu para 83,1% em 2023, representando uma queda de 0,5 ponto percentual. Por outro lado, o acesso aos serviços de coleta de lixo apresentou um avanço, passando de 53,2% para 55,2% no mesmo período, um acréscimo de 2 pontos percentuais. Similarmente, o tratamento de esgoto teve um crescimento mais notável, de 46,3% para 51,8%.
Ainda assim, o estudo, que se baseia em informações do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (SINISA) do Ministério das Cidades, destaca que, apesar da evolução no tratamento de esgoto, este ainda está consideravelmente distante da meta de universalização. Além disso, a pequena redução no índice total de atendimento de água gera preocupação.
O Marco Legal e a Busca pela Universalização
O Novo Marco Legal do Saneamento Básico, em vigor desde 2020, estabelece metas ambiciosas para o país: atingir 99% da população com abastecimento de água e 90% com esgotamento sanitário até o ano de 2033. Uma das mudanças centrais introduzidas por esta legislação foi a facilitação da privatização de empresas estatais prestadoras desses serviços, visando atrair mais investimentos e acelerar a universalização.
Conforme Luana Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil, os dados mais recentes indicam que 1.557 municípios, que abrigam cerca de 80 milhões de pessoas, já possuem contratos com operadoras privadas. Adicionalmente, outros 1.460 municípios estão em processo de viabilizar tais parcerias. Pretto enfatiza a necessidade de uma compreensão mais ampla dos impactos do saneamento na vida das pessoas, incentivando os mais de 5.570 prefeitos brasileiros a priorizarem o tema.
A executiva ressalta que o saneamento deve ser percebido como um “ativo político”, algo capaz de transformar vidas de forma transversal, impactando diretamente a saúde da população, a escolaridade média das crianças e a renda dos adultos. Em outras palavras, é um investimento com retornos sociais e econômicos amplos.
Estrutura da Prestação de Serviços
O estudo aponta que o saneamento básico no Brasil é um campo complexo e multifacetado, com a responsabilidade principal pela prestação dos serviços recaindo sobre os municípios. Nesse contexto, existem três modelos predominantes de operadores de serviços: a prestação direta, realizada por autarquias, departamentos municipais de saneamento e empresas públicas; as empresas estaduais; e as concessões de serviços públicos, geralmente resultantes de processos licitatórios.
Necessidade Urgente de Investimentos
Os pesquisadores do Instituto Trata Brasil também sublinham a urgência de um aumento significativo nos investimentos no setor. De acordo com estimativas do Ministério das Cidades, apresentadas no Plano Nacional de Saneamento Básico, o país precisaria de um investimento médio anual superior a R$ 223,82 por habitante para alcançar a universalização até 2033. Contudo, Luana Pretto revela que o investimento atual é de apenas R$ 126 por ano por habitante, demonstrando uma lacuna considerável.
Em sua totalidade, o Plano Nacional de Saneamento Básico estima uma necessidade de aproximadamente R$ 511 bilhões, a preços de dezembro de 2021, para atingir as metas de universalização. Após descontar os valores já investidos e atualizar para os valores de 2023, o Instituto Trata Brasil calcula que restam R$ 454,1 bilhões a serem aplicados. Isso significa que são necessários R$ 45,1 bilhões por ano entre 2024 e 2033 para que todos os brasileiros tenham acesso ao saneamento básico.
A pesquisa ainda identifica 363 municípios com contratos irregulares na prestação de serviços básicos. Estas localidades, muitas delas situadas nas regiões Norte e Nordeste, historicamente as mais afetadas pela ausência de saneamento, enfrentarão os maiores desafios para alcançar a universalização. Nesses municípios com contratos irregulares, o investimento é ainda mais ínfimo, de apenas R$ 53,63 por habitante, muito abaixo da média nacional e do necessário.
Portanto, Pretto defende que é fundamental monitorar continuamente esses investimentos e que as agências reguladoras infranacionais exerçam uma cobrança técnica rigorosa. Desse modo, elas poderão avaliar adequadamente os contratos estabelecidos, verificar o cumprimento das metas e, assim, impulsionar os investimentos em saneamento, que se traduzem em obras e, consequentemente, em maior acesso da população aos serviços essenciais.