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Câmara debate PL para proteger crianças em redes sociais

Em pauta na Câmara, o PL 2628/2022, conhecido como ECA Digital, busca proteger crianças e adolescentes nas redes sociais com regras sobre conteúdo, verificação de idade e publicidade.
ECA Digital proteção crianças
Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

A Câmara dos Deputados intensifica o debate sobre o Projeto de Lei (PL) 2628/2022, amplamente reconhecido como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Digital. Esta proposta legislativa, que ganhou novo impulso após a recente denúncia do influenciador Felca Bressanim Pereira sobre o uso inadequado de imagens de crianças e adolescentes em redes sociais para monetização e engajamento, busca estabelecer diretrizes mais rigorosas para a proteção da infância e adolescência no ambiente digital. O texto abrange desde a regulação de conteúdo até a verificação de idade e práticas publicitárias, visando salvaguardar os direitos dos jovens usuários da internet.

Contexto e Apoio Legislativo

De autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), o projeto recebeu a relatoria na Câmara dos Deputados do parlamentar Jadyel Alencar (Republicanos-PI). Notavelmente, o PL 2628/2022 conta com o apoio substancial de centenas de organizações da sociedade civil que dedicam seus esforços à proteção de crianças e adolescentes em todo o território nacional. Entre suas previsões, a legislação impõe às plataformas digitais a responsabilidade de implementar medidas “razoáveis” para mitigar os riscos de exposição de jovens a conteúdos ilegais ou inadequados para suas respectivas faixas etárias.

Ademais, a proposta delineia regras específicas para a supervisão parental e exige o desenvolvimento de mecanismos mais confiáveis para a verificação da idade dos usuários das redes sociais. Atualmente, esse processo é majoritariamente baseado na autodeclaração, o que representa uma lacuna significativa. O projeto também aborda a regulamentação da publicidade direcionada a menores, a coleta e tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, estabelece normativas para jogos eletrônicos, e proíbe terminantemente a exposição a jogos de azar. Por fim, prevê a atuação do Poder Público para a efetiva fiscalização e cumprimento da nova legislação.

Marina Fernandes, advogada especialista em direitos digitais do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), explicou que o PL adapta e expande direitos já contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para o ambiente digital, onde muitas dessas garantias não são devidamente aplicadas. Segundo ela, o projeto instaura um “ecossistema de regulação” que confere maiores deveres e obrigações às plataformas digitais, com o objetivo primordial de prevenir danos à infância desde seu artigo 5º.

Medidas para Prevenção de Riscos

Composto por 40 artigos e amplamente difundido como ECA Digital, o projeto de lei detalha em seu artigo 6º a obrigação das plataformas digitais de adotarem medidas eficazes para “prevenir e mitigar riscos” aos jovens usuários. Essas medidas visam combater a exposição a conteúdos que envolvam exploração e abuso sexual, violência física, assédio, bullying virtual, incentivo a vícios, além da promoção e comercialização de jogos de azar, bebidas alcoólicas e tabagismo.

O texto legislativo esclarece, ainda, que o projeto não exime a responsabilidade de pais, tutores ou de quaisquer indivíduos que obtenham benefícios financeiros da produção e distribuição pública de conteúdos envolvendo crianças e adolescentes. Consequentemente, a lei responsabiliza todos os elos da cadeia envolvidos na veiculação de tais materiais.

Em caso de descumprimento das normativas, o PL prevê uma série de sanções. Inicialmente, as plataformas poderão receber advertências, acompanhadas de um prazo de até 30 dias para a implementação de medidas corretivas. Entretanto, se a infração persistir, a legislação permite a aplicação de multas que podem atingir até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil ou, na ausência de faturamento, um valor fixo de até R$ 50 milhões. Em situações de infrações não corrigidas, há a possibilidade de suspensão temporária ou até mesmo a proibição permanente das atividades das plataformas digitais em território nacional.

Verificação Etária e Classificação de Conteúdo

Um dos pilares do PL é a exigência de que as plataformas digitais avaliem e indiquem de forma “extensiva” a classificação indicativa do conteúdo distribuído para crianças e adolescentes, considerando a faixa etária apropriada. Para efetivamente impedir o acesso de menores a conteúdos impróprios, o projeto determina que as plataformas implementem “mecanismos confiáveis de verificação da idade a cada acesso do usuário”, vedando explicitamente a mera autodeclaração.

Marina Fernandes, do Idec, ressalta que, embora as plataformas frequentemente informem que suas redes não são destinadas a menores de 13 anos, atualmente inexistem medidas eficazes para mitigar o acesso por essa faixa etária. “Elas não têm nenhuma fiscalização sobre a verdadeira idade daqueles usuários. E elas sabem que tem crianças menores de 13 anos acessando”, afirmou a advogada. Portanto, o capítulo de verificação etária do PL estabelece que as plataformas serão obrigadas a realizar uma verificação confiável da idade, garantindo maior controle sobre quem acessa determinados conteúdos.

Fomento à Supervisão Parental

Outro capítulo relevante do projeto de lei aborda a supervisão de pais ou responsáveis no uso das redes sociais por adolescentes. A proposta estabelece que as plataformas devem disponibilizar “configurações e ferramentas acessíveis e fáceis de usar” que efetivamente apoiem a supervisão parental. Embora organizações como a Meta afirmem já possuir esse tipo de serviço, a especialista do Idec, Marina Fernandes, destaca que as ferramentas existentes ainda se mostram ineficientes.

“Muitas vezes, os pais não sabem utilizar porque é difícil encontrar essas ferramentas. Muitas delas são muito aquém do que o necessário porque estão ligadas ao design da plataforma que é construído para viciar ou não permite que os pais desabilitem conteúdos nocivos”, detalhou Fernandes. Diante disso, o PL introduz uma série de exigências para tornar a supervisão familiar mais efetiva. “É muito fácil falar que a família é responsável, mas às vezes a família não tem condições de atuar porque não tem informações suficientes para agir”, completou a advogada, enfatizando a necessidade de suporte robusto das plataformas.

Entre as medidas propostas, encontra-se a oferta de funcionalidades que permitam aos pais ou responsáveis “limitar e monitorar o tempo de uso do produto ou serviço”. Além disso, o documento exige que os provedores de serviços digitais assegurem que contas de crianças e adolescentes de até 16 anos de idade estejam vinculadas à conta de um de seus responsáveis legais.

Regras para Publicidade Digital

O projeto de lei também institui um conjunto abrangente de regras para o direcionamento de propaganda a crianças e adolescentes. O artigo 22 do PL proíbe “a utilização de técnicas de perfilamento para direcionamento de publicidade comercial a crianças e adolescentes, bem como o emprego de análise emocional, realidade aumentada, realidade estendida e realidade virtual para esse fim”.

No mesmo sentido, o artigo 25 veda a criação de perfis de usuários crianças e adolescentes com a finalidade de publicidade, utilizando dados pessoais obtidos desses menores de 18 anos. Consequentemente, a advogada Marina Fernandes esclarece que o PL “veda especificamente que se use dados de crianças e adolescentes para perfilização comercial, ou seja, para enviar publicidade para essas crianças e adolescentes”, garantindo maior privacidade e proteção contra a exploração comercial.

Atuação do Poder Público e Governança

O PL também prevê um papel ativo para o Poder Público na regulamentação dos mecanismos contemplados na legislação. De acordo com o parecer do relator, um “Ato do Poder Executivo regulamentará os requisitos mínimos de transparência, segurança e interoperabilidade para os mecanismos de aferição de idade e supervisão parental adotados pelos sistemas operacionais e lojas de aplicativos”. Essa previsão visa garantir que a implementação das novas regras seja padronizada e eficiente em todo o ecossistema digital, com a atuação direta do governo para estabelecer os parâmetros técnicos.

Controvérsias e Resistência ao Projeto

Apesar do amplo apoio da sociedade civil, o PL 2628 enfrenta resistência significativa por parte da oposição na Câmara dos Deputados, liderada pelos partidos Novo e PL. A deputada Caroline de Toni (PL-SC), líder de sua bancada, criticou o texto, classificando-o como uma tentativa de censurar as redes sociais. Segundo a parlamentar, representantes de plataformas digitais a procuraram para expressar preocupação com o “excesso de regulamentação” proposto.

“As leis já existem para punir. O que a gente precisa é melhorar o ordenamento jurídico e melhorar essa integração [das polícias com as plataformas]. São medidas pontuais para facilitar e dar segurança jurídica, sem querer usar isso como pretexto para censurar a liberdade de expressão das redes sociais”, argumentou a deputada, defendendo que o foco deveria ser aprimorar a aplicação das leis existentes ao invés de criar novas normativas. A Meta, empresa que controla Facebook, Instagram e WhatsApp, não se manifestou publicamente sobre o PL 2628 até o fechamento desta reportagem.

Por outro lado, o Conselho Digital, uma organização que representa gigantes da tecnologia como Meta, Google, TikTok e Amazon, tem defendido a necessidade de alterações no texto. Quando o projeto tramitava no Senado, o Conselho Digital já havia criticado o que considerava “obrigações excessivas”. A organização expressou a preocupação de que “o equilíbrio entre a remoção de conteúdos nocivos e a preservação da liberdade de expressão torna-se um ponto delicado”, alertando que “a imposição de obrigações excessivamente rigorosas às plataformas pode incentivar a remoção indiscriminada de conteúdos legítimos”, destacando os desafios de implementar a legislação sem comprometer a liberdade de expressão no ambiente digital.

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