Organizações socioambientais manifestaram profunda preocupação nesta terça-feira, dia 19, após a Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) decidir suspender a Moratória da Soja. A medida, que acende um alerta sobre o futuro da Amazônia, visa investigar uma suposta prática de cartel por grandes empresas, mas ambientalistas temem um aumento significativo do desmatamento no bioma, onde o acordo voluntário proíbe a compra de grãos cultivados em áreas desmatadas desde 2008.
O Acordo da Moratória e Seu Impacto Ambiental
A Moratória da Soja, estabelecida há 19 anos, representa um pacto comercial voluntário crucial para a conservação da Amazônia. Este instrumento tem sido utilizado inclusive pelo governo brasileiro como uma ferramenta estratégica para conceder benefícios fiscais e oferecer taxas de juros mais atrativas em políticas públicas, como o Plano Safra. Entretanto, a recente decisão do Cade de suspender o acordo gerou um forte descontentamento entre os defensores do meio ambiente.
Para Cristiane Mazzetti, coordenadora de florestas do Greenpeace Brasil, a interrupção da Moratória da Soja, amplamente reconhecida como um dos mais eficientes acordos multissetoriais globais, abre caminho para que a soja se torne novamente um dos principais vetores de desmatamento na Amazônia. Além disso, ela adverte que tal cenário comprometeria severamente a capacidade do Brasil de atingir suas metas climáticas.
Dados apresentados por organizações demonstram a eficácia da Moratória: entre 2009 e 2022, a produção de soja na região amazônica registrou um expressivo aumento de 344%. Concomitantemente, e por outro lado, o desmatamento no bioma diminuiu 69% no mesmo período. Tais números, portanto, reforçam a visão de que o acordo não impediu o crescimento agrícola, mas contribuiu significativamente para a proteção florestal.
Em nota, a WWF-Brasil enfatizou que o país dispõe de um vasto potencial em terras já degradadas, as quais poderiam ser recuperadas e incorporadas à produção agrícola. Isso, segundo a organização, eliminaria a necessidade de avançar sobre novas áreas de floresta, preservando o ecossistema amazônico.
Justificativa do Cade e Inquérito Administrativo
A Superintendência-Geral do Cade esclareceu que a suspensão da Moratória da Soja é uma medida instrumental para viabilizar uma investigação aprofundada sobre uma suposta formação de cartel de compra por grandes empresas intermediárias internacionais, conhecidas como tradings. Segundo o órgão, este mecanismo está previsto na legislação e pode ser acionado quando há indícios ou receio fundamentado de que as condutas investigadas possam causar danos irreparáveis ou de difícil reparação ao mercado, ou ainda, tornar ineficaz o desfecho do processo.
Em paralelo à suspensão, o Cade instaurou um inquérito administrativo de conduta anticompetitiva, direcionado à investigação de 30 empresas do setor, todas integrantes do Grupo de Trabalho da Soja. Desse modo, as companhias sob investigação foram expressamente proibidas de coletar, armazenar, compartilhar ou disseminar quaisquer informações comerciais ou dados relacionados à Moratória da Soja. Adicionalmente, seus membros não podem trocar relatórios, listas ou documentos referentes ao tema do acordo.
Pressão Ruralista e Repercussões Críticas
A autarquia, que está vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, informou que a decisão de suspender o acordo foi motivada por uma representação encaminhada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados. Este documento apontava uma possível prática de cartel por parte de empresas ligadas à Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE) e à Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC).
De acordo com a nota da comissão, os signatários da Moratória da Soja teriam acordado em não adquirir grãos de produtores que cultivaram em regiões desmatadas do bioma amazônico após 2008. É importante ressaltar que este compromisso particular, firmado entre as empresas do setor, aplica-se exclusivamente à soja, não abrangendo outros tipos de cultivo.
A WWF-Brasil, por meio de sua nota oficial, interpretou a representação que questiona a Moratória da Soja como uma tentativa de expandir a agropecuária de forma desordenada na Amazônia. Isso, alertou a organização, resultaria na destruição da floresta e na colocação em risco do futuro do Brasil. Além disso, a entidade classificou a abordagem desses grupos como “claramente negacionista” em relação aos efeitos das mudanças climáticas, que já impactam severamente a produção rural brasileira, representando “a visão mais retrógrada do agro brasileiro”. Complementarmente, a coordenadora de florestas do Greenpeace acrescentou que a decisão do Cade “pune quem protege as florestas e favorece quem mais lucra com a destruição da Amazônia”, apontando para um possível revés na agenda de conservação.
Histórico de Desafios e Defesa do Acordo
A Moratória da Soja já vinha enfrentando uma série de desafios e oposição. Por exemplo, o acordo foi alvo de projetos de lei e de decisões em casas legislativas de estados como Mato Grosso, Rondônia e Maranhão, que impuseram restrições aos incentivos fiscais e a outros benefícios para os aderentes do pacto. Em um movimento de defesa, em dezembro de 2024, os recorrentes ataques a este importante instrumento de conservação florestal motivaram uma manifestação conjunta de 66 organizações da sociedade civil, todas em defesa da manutenção da Moratória da Soja. Essa mobilização sublinha a importância percebida do acordo para a sustentabilidade e o combate ao desmatamento.
A Agência Brasil, responsável pela reportagem, tentou entrar em contato com a Superintendência-Geral do Cade para obter mais informações sobre a vigência da medida. Entretanto, até o momento da publicação deste artigo, não houve resposta por parte do órgão.