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Autores indígenas: Solução climática exige fim do consumo ocidental

Escritores indígenas Daniel Munduruku e Márcia Kambeba culpam o consumismo ocidental pela crise climática e veem a COP30 com pessimismo, defendendo a sabedoria ancestral.
Visão indígena crise climática
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Os renomados escritores indígenas Daniel Munduruku e Márcia Kambeba oferecem uma perspectiva crítica sobre a crise climática. Eles atribuem a atual degradação ambiental a um modelo de consumo ocidental desmedido, ao mesmo tempo em que demonstram considerável ceticismo em relação aos resultados esperados da COP30. Ademais, esses autores enfatizam a importância vital da sabedoria ancestral para a construção de um futuro mais sustentável.

A Visão Ancestral da Natureza e o Desafio Climático

Para os povos indígenas, a natureza transcende a mera fonte de recursos; ela representa o alicerce da subsistência, da moradia e da espiritualidade. Além disso, ela serve de inspiração para obras literárias, incluindo poemas e ensaios filosóficos. Daniel Munduruku e Márcia Wayna Kambeba dedicam décadas à criação de uma literatura que reflete a profunda conexão com a floresta e os princípios dos povos tradicionais. Consequentemente, ambos não são apenas mestres da escrita, mas também observadores perspicazes dos impactos da poluição sobre ecossistemas e comunidades que dependem diretamente do ambiente natural.

A visão deles sobre o porvir, entretanto, é marcada por apreensão e um certo desânimo. Para esses autores, uma política climática verdadeiramente eficaz, capaz de combater o aquecimento global e o desmatamento, exige uma reconfiguração drástica das estruturas de consumo e produção planetárias. Essa análise foi compartilhada em uma entrevista à Agência Brasil, realizada no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) no Rio de Janeiro, momentos antes de um evento onde discutiram suas obras: Das Coisas que Aprendi: Ensaios sobre o Bem-Viver, de Munduruku, e Saberes da Floresta, de Kambeba. Em comum, esses livros exploram conhecimentos e percepções obtidos através da imersão na natureza, propondo uma cosmovisão que privilegia a integração e o bem-estar coletivo. Munduruku argumenta que a ausência desses valores no universo ocidental contribui fundamentalmente para as crises climáticas e existenciais.

Contraste de Paradigmas: O Coletivo Versus o Individual

Conforme Daniel Munduruku, as perspectivas ocidental e indígena são diametralmente opostas. Por um lado, o mundo capitalista ocidental, construído ao longo de séculos sobre o individualismo, dificilmente pode se converter em uma coletividade. Em contraste, os povos indígenas valorizam o coletivo, que abrange não apenas os seres humanos, mas todos os elementos da natureza, pois nenhum ser vive isoladamente. Ele ainda complementa que a visão ocidental é estruturada em um tempo linear, com uma constante especulação sobre um futuro distante, onde a felicidade é ilusoriamente projetada. De fato, para essa mentalidade, tudo se torna uma miragem, criando um “paraíso” a ser alcançado um dia, onde os “pecados” serão perdoados. Por conseguinte, há uma busca incessante por riqueza material. Para o indígena, no entanto, a verdadeira riqueza reside no “aqui e agora”, enfatizando a importância de viver plenamente o presente.

Pessimismo em Relação à COP30 e a Agenda Econômica

À medida que a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), marcada para novembro em Belém, se aproxima, as questões ambientais ganham notoriedade. Márcia Kambeba, no entanto, expressa que o êxito de tal evento dependeria de acordos significativamente mais ambiciosos. Ela questiona o verdadeiro propósito da COP no que tange ao clima, apontando que sua eficácia está intrinsecamente ligada à preservação e conservação da natureza, bem como à retomada de uma consciência ambiental sobre o lixo e os impactos gerados. Lamentavelmente, Kambeba observa que as pessoas relutam em abordar essas questões, carecendo de uma percepção real sobre como o modo de consumo acarreta tantos danos.

Daniel Munduruku ecoa esse pessimismo quanto aos benefícios ambientais que a COP30 pode trazer para o planeta e para as comunidades que vivem em estreita harmonia com ele. Ele afirma que a humanidade atingiu um ponto crítico onde, se não reverter a desconexão com a natureza, a sobrevivência será comprometida. Portanto, o escritor argumenta que a COP30 não visa salvar o meio ambiente, mas sim a economia global, caracterizando uma contradição insolúvel. Por fim, ele conclui que o sistema econômico hegemônico não demonstra intenção de mudar, e a presença de vozes como a do escritor indígena Davi Kopenawa, embora importantes, não impacta as esferas do capital, pois enquanto os indígenas defendem a vida no planeta, os banqueiros priorizam a manutenção de suas riquezas.

A Força da Literatura Indígena como Resistência

Apesar das projeções nem sempre otimistas, os escritores indígenas mantêm viva a esperança de que a literatura possa ser um catalisador para mudanças. Eles creem na capacidade transformadora da escrita de sensibilizar, inspirar e provocar reflexão. Márcia Kambeba destaca que a literatura é um meio essencial para registrar memórias, narrativas, oralidades e as verdades transmitidas pelos antepassados. Conforme sua visão, a memória pulsa em todo o corpo, e a voz do rio, da floresta, dos pássaros e das “encantarias” protege a intrínseca relação entre o ser humano e a natureza. Ela ainda acrescenta que buscam transformar essa sabedoria no “bem-viver”, compartilhando esses ensinamentos e escritos tanto com aqueles que vivem nas aldeias quanto com os habitantes das cidades.

Por sua vez, Munduruku enfatiza o longo histórico de resistência dos povos indígenas, que se manifesta em seus livros e busca alcançar um número crescente de leitores. Ele ressalta que o movimento indígena, desde o final dos anos 80, conquistou maior espaço para seus escritores, permitindo que suas vozes ganhassem autonomia e redefinindo sua inserção na sociedade. Atualmente, com mais de 100 autores indígenas produzindo, evidencia-se um caminho coletivo, onde cada um contribui ao mesmo tempo em que apoia o outro, e, assim, as novas gerações são educadas a cultivar um pensamento mais inclusivo e humano.