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FUP critica lei que desobrigou Petrobras de operar pré-sal após BP achar petróleo

A Federação Única dos Petroleiros (FUP) critica a lei de 2016 que desobriga a Petrobras de operar no pré-sal, após a BP Energy anunciar grande descoberta na Bacia de Santos sem a estatal.
FUP critica lei pré-sal
Foto: André Ribeiro/Agência Petrobras

A Federação Única dos Petroleiros (FUP) manifestou severas críticas à legislação de 2016, que flexibilizou a obrigatoriedade da Petrobras atuar como operadora em todos os blocos do pré-sal. Essa contestação surge após a multinacional britânica BP Energy anunciar uma descoberta significativa de petróleo na Bacia de Santos, em um bloco onde a estatal brasileira não possui qualquer participação. A FUP considera que essa ausência da Petrobras reforça os riscos de uma perda de controle nacional sobre recursos estratégicos de grande importância para o país.

Descoberta da BP na Bacia de Santos Acende Alerta na FUP

Em 4 de agosto, o anúncio de uma grande reserva de petróleo no pré-sal da Bacia de Santos, efetuado pela BP Energy, gerou imediata insatisfação por parte da Federação Única dos Petroleiros. A entidade, que representa os trabalhadores do setor petrolífero, não se opõe à exploração em si; entretanto, a preocupação reside no fato de que essa “significativa” descoberta, classificada pela própria BP como a maior da companhia em 25 anos, ocorreu no bloco Bumerangue, localizado a aproximadamente 400 quilômetros da costa do Rio de Janeiro, sem a presença da Petrobras. Ademais, este bloco foi arrematado integralmente pela BP em um leilão promovido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em 2022. Para a FUP, esta situação evidencia “os riscos da entrega do pré-sal ao capital estrangeiro e os retrocessos causados pela flexibilização do regime de partilha”. Consequentemente, o coordenador-geral da entidade, Deyvid Bacelar, enfatiza que essa operação “reforça a perda de controle nacional sobre recursos estratégicos”.

Análise da Lei 13.365/2016 e Suas Consequências

Deyvid Bacelar direciona suas críticas à Lei 13.365, sancionada em 2016, que alterou a legislação anterior (2010) e, consequentemente, desobrigou a Petrobras de ser a operadora exclusiva em todos os blocos do pré-sal. A nova regra conferiu à estatal o “direito de preferência”, permitindo-lhe escolher se deseja ou não atuar como operadora e, em caso positivo, assegurando uma participação mínima de 30% no consórcio explorador. Na época da mudança legislativa, os defensores da medida argumentavam que a desobrigação aliviaria a delicada situação financeira da Petrobras, que enfrentava uma crise severa em 2016, agravada pela Operação Lava Jato, e apresentava dificuldades para realizar investimentos. O então presidente da Petrobras, Pedro Parente, por exemplo, acreditava que a obrigatoriedade impedia a empresa de focar em projetos mais alinhados aos seus interesses estratégicos.

Por outro lado, a FUP contesta veementemente essa flexibilização, alegando que ela abriu portas para descobertas importantes por empresas petrolíferas internacionais, sem a devida contrapartida para o Brasil. Além disso, a representação dos trabalhadores aponta que a alteração legal permitiu que blocos fossem arrematados com ágios menores, ou seja, por valores mais baixos, reduzindo a arrecadação para o país. No caso do bloco Bumerangue, por exemplo, a BP ofereceu à União uma parcela de óleo excedente de apenas 5,9%, resultando em um ágio de 4,24%. Bacelar ainda cita o bloco Tupinambá, arrematado em 2023, onde a mesma BP ofertou meros 6,5%. Assim, ele conclui que essa prática “consolida uma tendência de baixa compensação ao país e alta concentração de exploração por empresas estrangeiras”.

Dinâmica dos Leilões no Pré-Sal Brasileiro

A magnitude das descobertas do pré-sal para o potencial petrolífero brasileiro impulsionou o governo, com o apoio do Congresso Nacional, a implementar um regime diferenciado para a exploração dessas riquezas submersas. Atualmente, nas áreas do pré-sal, prevalece o regime de partilha. Nesse modelo, a petroleira vencedora, além de pagar um bônus de assinatura, divide a produção de óleo excedente (o volume restante após a cobertura dos custos de produção) com a União. O critério para a vitória nos leilões baseia-se na oferta da maior parcela de lucro ao governo, ou seja, o maior percentual do óleo excedente. As empresas vencedoras também efetuam o pagamento de royalties.

Essa sistemática difere significativamente do modelo de concessão, que se aplica aos demais blocos de óleo e gás. No regime tradicional de concessão, a concessionária assume integralmente o risco de investimento e de descoberta ou não de petróleo, tornando-se proprietária de todo o óleo e gás encontrados. Além do bônus de assinatura pela arrematação, a petrolífera paga royalties e participação especial, esta última aplicável a campos de grande produção. Curiosamente, tanto no leilão do bloco Bumerangue quanto no de Tupinambá, a BP foi a única proponente. No Tupinambá, o ágio alcançou 33,20%, indicando uma concorrência menos acirrada em certas disputas.

Setor Petrolífero e Petrobras Defendem o Modelo Atual

A indústria do petróleo, representada por entidades como o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), que congrega empresas do setor, incluindo a própria Petrobras, manifesta-se favorável ao modelo vigente. Segundo o IBP, a política brasileira atual de exploração e produção de óleo e gás, que contempla a participação de múltiplos operadores, tem gerado resultados positivos. O presidente do IBP, Roberto Ardenghy, argumenta que a presença de diversas operadoras, inclusive no pré-sal, contribui para “aumentar o conhecimento geológico da região, acelerar a exploração e maximizar o potencial da bacia”.

Ademais, Ardenghy complementa que a diversidade de empresas, tanto nacionais quanto internacionais, com suas distintas tecnologias e especialidades, “distribui o risco, promove maior competição, atrai investimentos e, consequentemente, amplia a arrecadação de royalties e participações especiais para o país”, resultando, portanto, em “maior valor para a sociedade brasileira”. A Petrobras, por sua vez, foi questionada sobre sua participação em outros tipos de leilões. A presidente da companhia, Magda Chambriard, afirmou que “a empresa estará sempre presente em toda e qualquer oportunidade de leilão da ANP”, enfatizando que “o território brasileiro é nossa casa e, quando se oferta áreas do pré-sal, então, nem se fala, claro que estaremos presentes do leilão, é do nosso interesse”. Entretanto, Magda Chambriard também ponderou que a participação da empresa dependerá de uma análise de viabilidade econômica, garantindo que “isso só vai acontecer se fizer sentido econômico para nós. Ninguém aqui está pensando em nenhuma aventura desmedida.” A ANP, como agência reguladora, absteve-se de comentar sobre leis aprovadas pelo Congresso, limitando-se a afirmar que “cumpre a legislação em vigor e implementa políticas emanadas do governo.” O Ministério de Minas e Energia (MME) não se pronunciou.

O Debate sobre Vantagens e Desvantagens Estratégicas

O professor Geraldo Ferreira, do Departamento de Engenharia Química e Petróleo da Universidade Federal Fluminense (UFF), contextualiza a alteração na lei e a subsequente mudança na postura da Petrobras como um reflexo da transição governamental ocorrida durante a presidência de Michel Temer (2016-2018), período que ele descreve como “mais orientado para o mercado”. O professor identifica tanto benefícios quanto pontos negativos na mudança legislativa. Por um lado, ao desonerar a Petrobras da obrigação de investir em todas as áreas, há uma maior flexibilidade que pode permitir “desenvolvimento mais rápido onde a empresa não priorizaria”, o que é visto como um ponto positivo.

Por outro lado, Ferreira expressa preocupação com o que ele denomina “enfraquecimento do controle estratégico do setor de óleo e gás pelo Estado brasileiro”. Ele aponta diversos efeitos negativos desse enfraquecimento, como “menor participação governamental por barril em alguns contratos, coordenação mais fraca para a política industrial e maior risco de subfinanciamento do Fundo Social”. O Fundo Social, cabe ressaltar, foi concebido para que parte dos recursos arrecadados pelo governo no pré-sal fosse direcionada para setores sociais vitais como saúde, educação e meio ambiente. Conforme Ferreira, o cenário atual, mais favorável a empresas estrangeiras, não necessariamente impulsiona a indústria petrolífera nacional. Assim, para que a presença de operadores estrangeiros seja verdadeiramente benéfica, ela deve estar “combinada com condições firmes e inteligentes que transformem a presença de operadores estrangeiros em capacidade doméstica, provendo a industrialização, formação de recursos humanos e absorção de tecnologia”. Caso contrário, o Brasil corre o risco de permanecer como mero exportador de commodities, uma realidade já observada em períodos históricos com o ouro e o diamante em Minas Gerais no século XIX. Além disso, a ausência de uma presença onipresente da Petrobras no pré-sal significa que “não haverá mais garantia de liderança na coordenação do desenvolvimento de vários blocos, com planejamento e implantação associada de infraestrutura”.

Próximos Leilões e o Cenário da Exploração

O Brasil se prepara para o 3º Ciclo da Oferta Permanente de Partilha, agendado para 22 de outubro, com a disputa de 13 blocos exploratórios nas bacias de Santos e Campos. Quinze empresas já se habilitaram para o processo, incluindo companhias brasileiras como Petrobras, Prio e 3R (Brava Energia), ao lado de gigantes multinacionais como Chevron (EUA), Ecopetrol (Colômbia), Equinor (Noruega), Petrogal (Portugal), Petronas (Malásia), QatarEnergy (Catar), Shell (anglo-holandesa), Total Energies (França), Karoon (Austrália), e as chinesas Cnooc e Sinopec. Em junho, a ANP já havia realizado o 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão, que incluiu áreas na Foz do Amazonas, uma região da Margem Equatorial frequentemente referida como “o novo pré-sal”, dada a expectativa de grandes descobertas. Embora a Petrobras já possua blocos na região, ela ainda aguarda a necessária autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para iniciar as operações. Naquele leilão de junho, foram ofertados 19 blocos na região, e a Petrobras destacou-se ao arrematar 10 dessas áreas, todas em consórcio com a americana ExxonMobil. Adicionalmente, a Chevron adquiriu nove blocos em parceria com a chinesa CNPC.

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