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Só 7% das ações de grilagem na Amazônia resultam em condenação

Pesquisa do Imazon revela que só 7% das decisões judiciais sobre grilagem na Amazônia Legal entre 2004 e 2020 resultaram em condenação.
Grilagem Amazônia condenação
Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace

Apenas 7% das decisões judiciais relacionadas a casos de grilagem de terras na Amazônia Legal, entre os anos de 2004 e 2020, resultaram em condenações. Esta é a principal conclusão de um levantamento detalhado conduzido pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). O estudo evidencia um cenário preocupante de impunidade, onde a vasta maioria dos processos não culmina em sanções efetivas para os responsáveis pela apropriação ilegal de terras.

A Pesquisa Detalhada do Imazon

Para chegar a estas conclusões, as pesquisadoras Brenda Brito e Lorena Esteves examinaram um total de 78 processos judiciais. Estes foram cuidadosamente selecionados a partir de dados fornecidos por organizações da sociedade civil que atuam diretamente na região amazônica, além de informações obtidas junto às procuradorias do Ministério Público Federal (MPF) nos estados. Conforme a análise, a maior concentração desses processos foi identificada no Pará, responsável por 60% dos casos. Em seguida, destacam-se Amazonas, com 15%, e Tocantins, que representou 8%. Outros estados como Amapá, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Acre registraram menos de 5% das ações investigadas. No total, as pesquisadoras identificaram 526 decisões judiciais envolvendo 193 réus, sendo que alguns deles respondiam por múltiplas infrações.

Tipos de Crimes e Motivos para Absolvições

O levantamento do Imazon revelou a prevalência de certos ilícitos nas ações de grilagem. Entre os crimes mais frequentemente citados, a invasão de terra pública se destacou, aparecendo em 25% das decisões. Posteriormente, a falsidade ideológica foi registrada em 15% dos casos, seguida por estelionato (12%), desmatamento de floresta pública (5%) e associação criminosa (4,5%). Além desses, o estudo apontou a ocorrência de 14 outros tipos de crimes ambientais e 22 delitos previstos no Código Penal e em demais legislações. Por outro lado, as absolvições, que ocorreram em 35% das decisões judiciais, foram frequentemente justificadas pela falta de provas, a alegação de boa-fé dos réus e a aplicação do princípio do *in dubio pro reo*, que favorece o acusado em situações de incerteza quanto à materialidade ou autoria do crime.

De acordo com Lorena Esteves, uma das pesquisadoras responsáveis, muitos dos casos de absolvição estão intrinsecamente ligados à escassez de provas. Adicionalmente, ela ressaltou a existência de entendimentos judiciais que podem gerar confusão, citando como exemplo os processos de estelionato. Nestes, por vezes, as decisões consideravam que os réus não obtinham vantagem econômica direta de uma posse precária, uma vez que o beneficiário final seria o Estado. No entanto, tais interpretações, segundo a pesquisadora, desconsideravam aspectos cruciais como o desmatamento ou o tempo de ocupação irregular da área. Em um percentual menor, 6% das decisões, os réus obtiveram benefícios legais que os isentaram de condenação, após o cumprimento de determinadas condições, como a proibição de se ausentar da comarca, comparecimento regular em juízo e pagamento de valores a instituições de caridade ou fundos públicos. O MPF, por sua vez, solicitou reparação de danos em 16% das ações, mas quase a totalidade desses pedidos foi negada pelos juízes. As justificativas para tais negativas, conforme o relatório, frequentemente apontavam a ausência de elementos suficientes para quantificar o dano ou o fato de o pedido não constar na petição inicial.

A Lenta Marcha da Justiça: Morosidade e Prescrições

Um fator crítico evidenciado pelo estudo é a morosidade do sistema judicial. As pesquisadoras apontaram que o tempo médio para o julgamento das ações de grilagem foi de seis anos. Ademais, quase metade dos processos, precisamente 48%, levou mais de cinco anos para ser concluída. Em outros 35% dos casos, as decisões foram proferidas entre seis e nove anos após o início do trâmite, e em uma parcela significativa, 17%, a resolução demorou entre 13 e 18 anos. Consequentemente, essa extensa demora no julgamento resultou em um alarmante número de 172 prescrições, o que corresponde a 33% do total de decisões. A prescrição, nesse contexto, significa a perda do direito de exigir judicialmente o cumprimento de um direito devido ao decurso do tempo estabelecido por lei.

O Cenário das Condenações e o Papel da Prova

Do universo de 526 decisões analisadas, apenas 39, ou seja, 7%, culminaram na condenação de 24 réus. Quase metade desses condenados (49%) foram punidos por crimes ambientais, e notavelmente, 64% das ilegalidades ocorreram dentro de Unidades de Conservação. Apesar de a invasão de terra pública ser o crime mais frequente entre os analisados, o estudo revelou que somente duas decisões resultaram em condenação específica por essa infração. As condenações, em contraste, foram quase sempre resultado da apresentação de provas materiais bastante específicas e robustas, que de fato comprovaram a prática do crime.

Um exemplo elucidativo, conforme o estudo, é o crime de invasão de terra pública, onde o MPF apresentou como prova uma notificação prévia de um órgão fundiário. Este documento informava claramente que a área era de propriedade pública e orientava o réu a desocupá-la. Dessa forma, o acusado não podia alegar desconhecimento sobre a natureza do imóvel, reforçando a comprovação do dolo. Para Lorena Esteves, um aprimoramento na produção dessas provas poderia aumentar significativamente o número de punições. No entanto, ela enfatiza que isso depende da implementação de varas e procuradorias especializadas em temas agrários na região. Além disso, a estruturação dos órgãos fundiários, que são responsáveis pela fiscalização e notificação de invasões, é outro elemento crucial. Esteves explica que, “Se o órgão responsável consegue fazer essa notificação, o grileiro não pode alegar que não sabe que está errado. Isso acaba com o argumento de boa-fé”. O levantamento também gerou 11 recomendações adicionais aos Poderes e ao Ministério Público. Estas incluem desde a destinação mais eficiente de terras públicas até a aplicação de penas mais severas para crimes relacionados à grilagem, buscando igualmente ampliar o tempo de prescrição e dificultar a concessão de penas alternativas.

Terras Federais e a Escala da Grilagem

Um dado relevante do estudo é que 77% do total de processos examinados versavam sobre crimes cometidos em terras públicas federais. Dentre estas, destacam-se principalmente os projetos de assentamento (30%), as glebas públicas (26%) e as Unidades de Conservação (21%). Embora quase metade dos processos (42%) não fornecesse informações sobre o tamanho exato da área alvo de grilagem, o estudo conseguiu identificar que 18% dos casos envolviam terrenos com mais de 10 mil hectares. Mais alarmante ainda, 8% dos processos se referiam a áreas superiores a 50 mil hectares. Para oferecer uma perspectiva comparativa, a cidade de São Paulo, uma das maiores metrópoles do mundo, possui uma área total de 150 mil hectares.

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