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Violência no Rio: alunos perdem até um ano de aprendizado, diz estudo

Violência no Rio de Janeiro faz alunos de áreas afetadas perderem até um ano de aprendizado, especialmente em matemática, revela estudo inédito da UFRJ e Uerj.
Violência Rio perda aprendizado
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Um estudo inédito, fruto de uma colaboração entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), revela um impacto alarmante da violência urbana na educação de crianças cariocas. Segundo a pesquisa, estudantes residentes em áreas conflagradas do Rio de Janeiro podem perder o equivalente a até um ano de aprendizado, com o prejuízo mais acentuado observado na disciplina de matemática.

A Profundidade do Prejuízo Acadêmico

Os pesquisadores demonstram que a violência, além de gerar danos socioeconômicos às favelas e comunidades, afeta diretamente o desempenho escolar dos alunos. Em particular, a capacidade de aprendizado em língua portuguesa diminui em mais da metade, enquanto em matemática, o retrocesso é tão significativo que se assemelha a uma perda completa de um ano letivo. Este cenário dramático foi detalhado no artigo “O Impacto da Guerra às Drogas na Educação das Crianças das Periferias do Rio de Janeiro”, publicado na revista Dados, da Uerj.

Ao analisar o desempenho de alunos do 5º ano do ensino fundamental, a pesquisa identificou que escolas situadas em entornos com seis ou mais episódios de violência anuais registram uma assimilação de conteúdo 65% menor em língua portuguesa, comparado ao esperado para um ano. Em contraste, o déficit em matemática é ainda mais grave, equiparando-se à ausência de um ano inteiro de instrução. Foram identificadas 32 instituições de ensino nesta condição, o que sublinha a severidade com que a insegurança compromete o desenvolvimento infantil.

Metodologia Inovadora da Pesquisa

Pela primeira vez, esta pesquisa incorporou informações cruciais fornecidas diretamente por diretores escolares através de um aplicativo da Secretaria Municipal de Educação. Essa inovação na coleta de dados possibilitou uma compreensão mais precisa dos impactos da violência no cotidiano escolar. Para a análise, os dados do Fogo Cruzado, instituto que compila informações colaborativas sobre tiroteios, foram cruzados com os resultados da Prova Brasil, avaliação do Ministério da Educação que integra o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e mede conhecimentos em português e matemática. Ademais, o estudo considerou o ano de 2019 para evitar a distorção dos dados pelos efeitos da pandemia de COVID-19, que impactaram o aprendizado em todo o país.

O professor Tiago Bartholo, um dos autores e docente do Programa de Pós-graduação em Educação da UFRJ, ressaltou o caráter inédito da metodologia. Segundo ele, o aplicativo da Secretaria Municipal de Educação, embora não esteja mais em operação, permitiu que diretores e coordenadores pedagógicos registrassem incidentes de violência que afetassem as escolas, proporcionando uma riqueza de detalhes sem precedentes. Para assegurar a validade dos resultados, as escolas em áreas violentas foram comparadas com unidades de ensino de infraestrutura e perfil socioeconômico semelhantes, bem como desafios de gestão equiparáveis. Assim, foi possível isolar os efeitos exclusivos da violência sobre o aprendizado dos estudantes.

Múltiplos Fatores Contribuem para a Queda de Aprendizagem

Ainda de acordo com o professor Bartholo, a diminuição do aprendizado nessas escolas decorre de uma série de fatores interligados. Em primeiro lugar, as unidades educacionais são forçadas a suspender as aulas por mais dias devido aos episódios de violência. Subsequentemente, observa-se um aumento significativo nas faltas, tanto de alunos quanto de professores, não apenas no dia do incidente, mas também no período subsequente. Outrossim, o impacto da violência se estende para além da frequência escolar, afetando negativamente a capacidade cognitiva das crianças. Este ambiente de insegurança pode gerar privação de sono e um estresse crônico e intenso, prejudicando a habilidade de absorver novos conhecimentos, tanto para estudantes quanto para o corpo docente e toda a comunidade escolar exposta a essas situações.

Impactos Duradouros e Necessidade de Ação Pública

Os resultados da pesquisa demonstram que a exposição a um entorno violento está associada a uma redução média de 7,2 pontos em língua portuguesa e 9,2 pontos em matemática na escala do Saeb, para alunos do 5º ano. Para ilustrar a magnitude, as métricas do exame nacional indicam que um ano de estudo em língua portuguesa equivale a 11,2 pontos, enquanto em matemática, corresponde a 8,5 pontos. De fato, o professor Bartholo enfatiza que esta não é uma perda pontual, mas sim um déficit de aprendizado que se acumula ao longo de toda a vida escolar dos estudantes. Portanto, essas diferenças, do ponto de vista pedagógico, são relevantes e urgem por atenção e ações eficazes do poder público. Além de Tiago Bartholo, o estudo foi assinado pela professora Mariane Koslinski (UFRJ), pelo professor Ignacio Cano (Uerj) e pelas doutorandas Rachel Machado e Mariana Siracusa, ambas da Uerj.

O Cenário Amplo da Violência nas Escolas Cariocas

Paralelamente a esta análise, um relatório intitulado “Educação Sob Cerco: as escolas do Grande Rio impactadas pela violência armada”, divulgado em maio, corrobora a gravidade da situação. O levantamento revelou que aproximadamente metade dos estudantes do ensino fundamental e médio de escolas públicas sofrem as consequências diretas da violência armada. Este número representa cerca de 800 mil crianças e adolescentes, distribuídos em 1,8 mil escolas públicas na capital e em outros 19 municípios da região metropolitana. Em 2022, ano considerado pelo relatório, mais da metade das escolas na capital estavam localizadas em áreas dominadas, sendo 28,4% em regiões controladas por milícias e 30% em áreas de tráfico de drogas. Por conseguinte, foram contabilizados mais de 4,4 mil tiroteios nas proximidades de escolas, sejam em decorrência de operações policiais ou outras circunstâncias, evidenciando um ambiente escolar sob constante ameaça.

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