Edição Brasília

Flip homenageia Leminski e atrai 34 mil, 10% a mais que ano passado

A 23ª Feira Literária de Paraty (Flip), que homenageou Paulo Leminski, encerrou neste domingo (3) com público de 34 mil pessoas, 10% a mais que no ano passado.
Flip Paulo Leminski
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A 23ª edição da Feira Literária de Paraty (Flip), um dos mais prestigiados eventos culturais do Brasil, encerrou-se no último domingo (3) com um notável sucesso de público. A festa literária, que este ano homenageou o multifacetado Paulo Leminski, atraiu cerca de 34 mil visitantes, representando um aumento de 10% em comparação com o número de participantes do ano anterior, conforme divulgado pela organização do evento.

Homenagem a Paulo Leminski e Seu Legado

A abertura oficial da Flip, realizada na quarta-feira (30), foi marcada por uma emocionante celebração da obra de Paulo Leminski. Arnaldo Antunes, um amigo de longa data e parceiro artístico do homenageado, subiu ao palco principal para compartilhar histórias pessoais e realizar leituras poéticas. Além disso, a poeta Alice Ruiz, ex-companheira de Leminski por duas décadas, também teve uma participação destacada na programação principal, contribuindo para a imersão na vida e obra do autor.

Considerado uma das figuras mais relevantes da poesia brasileira do século XX, Leminski (Curitiba, 1944-1989) não se limitou à escrita. Ele foi um ensaísta perspicaz, biógrafo dedicado, músico talentoso, publicitário criativo, judoca faixa-preta e um tradutor exímio, vertendo para o português obras de autores como Samuel Beckett, James Joyce e Petrônio. Segundo Arnaldo Antunes, Leminski representava um elo vital entre a cultura estabelecida e a contracultura, sempre defendendo a liberdade na forma e no conteúdo de suas expressões artísticas.

A Preservação do Legado Pelas Filhas

As filhas do poeta, Estrela e Áurea Ruiz Leminski, desempenharam um papel fundamental nas diversas atividades da Flip, compartilhando suas percepções e experiências em relação ao extenso trabalho do pai. Estrela, em particular, detalhou o empenho da família em expandir a visibilidade da obra de Leminski, garantindo que ela alcançasse um público ainda maior e conquistasse o reconhecimento que, em sua visão, o autor sempre buscou e mereceu.

Após a partida do escritor, Estrela explicou que os bastidores da gestão de sua obra se tornaram um trabalho de profundo carinho, conduzido por três mulheres que conviveram intensamente com ele e que, diariamente, refletem sobre novas estratégias para ampliar seu reconhecimento. Para Estrela, que também se tornou escritora, compositora e poeta, essa homenagem na Flip foi um momento de grande emoção. Ela descreveu a sensação como a de um filme passando por sua mente, rememorando o pai em seu processo criativo em casa e, como filha, observando o crescimento contínuo de sua obra. Estrela ainda pontuou que, se antes Leminski era uma figura importante para Curitiba e depois para o Paraná, hoje ele é um grande escritor do Brasil, e a Flip, portanto, o consolidaria como uma referência internacional, um nome que virá à mente ao se pensar no cenário literário brasileiro.

Estrela também trouxe à audiência da Flip um pouco das narrativas familiares através de seu romance “Quando a inocência morreu”. Durante uma atividade na Casa de Cultura, sua mãe, Alice Ruiz, leu trechos da obra. A autora descreve o livro como uma “biografia fantástica”, que explora a vida de seus quatro avós desconhecidos, combinando pesquisa histórica com elementos de ficção. Estrela ressaltou que a obra se baseia em sua árvore genealógica e na trajetória dos imigrantes, abordando seus antepassados paternos e, de certa forma, as origens de tudo. Ela adicionou que os capítulos do livro trazem à tona temas como a literatura, o nomadismo, o sentimento de não pertencimento e a cidade de Curitiba, elementos que também permearam a obra de seu pai.

Por outro lado, Áurea Leminski, presidente do Instituto Paulo Leminski, participou da programação com uma perspectiva mais voltada para a produção cultural e a gestão do legado literário paterno. Ela enfatizou o trabalho contínuo para que as publicações de Leminski estejam sempre acessíveis ao público, não apenas em termos de distribuição e abrangência, mas também em edições que captem o interesse dos leitores, demonstrando um cuidado especial com a parte gráfica e visual. Entre os desafios da gestão da obra, Áurea citou a necessidade de se adaptar a novas interfaces de divulgação, como as redes sociais, que não existiam anteriormente. Adicionalmente, ela destacou o esforço para acompanhar as tendências e manter o público engajado com a produção de Leminski.

Novas Inspirações e o Gênero do Conto

Em um momento de profunda emoção, Áurea assistiu à leitura do conto “Do lado de cá da fronteira” pela autora Carolina Panta, na plateia da Casa Flip+Motiva. A história, inspirada na obra de Leminski, explora a perda de um pai e constrói uma jornada emocional através de um carro antigo e uma estrada silenciosa. Carolina, vencedora da 1ª edição do Concurso da Casa Flip+Motiva, revelou que sua narrativa aborda como os que partem continuam habitando os que ficam, por meio de uma presença silenciosa que se manifesta nos gestos. O concurso avaliou trezentos contos, todos inspirados no verso “que toda viagem/é feita só de partida”, extraído do poema “V, de viagem” de Paulo Leminski.

Áurea comentou que o conto foi o gênero literário que menos se destacou na carreira de seu pai. Entretanto, ela salientou que o gênero está presente em dois momentos cruciais da trajetória artística de Leminski: no início e no fim. Um dos primeiros textos que ele escreveu, “Descartes com lentes”, foi um conto que participou de um concurso e, por um equívoco dos jurados, ficou em segundo lugar. Áurea compartilhou, em tom bem-humorado, que a indignação de Leminski com o resultado o levou a escrever um romance, “Catatau”, a partir da ideia original do conto. Para ela, “Catatau” é, sem dúvida, a obra magna e emblemática que o autor deixou como legado.

Na outra extremidade da jornada de Leminski, encontra-se o livro “Gozo Fabuloso”, uma coletânea póstuma de contos publicados no “Jornal Nicolau”, do Paraná. Segundo Áurea, seu pai inseria contos nesse jornal gradualmente e, em certo momento, expressou o desejo de organizar e publicar um livro com essas histórias. No entanto, o plano demorou a se concretizar. Áurea narrou que os originais dos contos se perderam por duas vezes, mas foram, por fim, encontrados entre os materiais de uma editora à beira da falência, praticamente no lixo, em meio a jornais descartados. Ela observou a beleza da estrutura do conto, que “começa e termina”, e expressou sua satisfação ao ver o resultado do trabalho de autores como Carolina Panta, que dão continuidade a essa forma literária.

Balanço Geral da Edição

A 23ª Flip apresentou um programa principal robusto, com as tradicionais vinte mesas, acrescidas de uma mesa extra, reunindo um total de 36 autores e autoras. Entre os convidados, destacaram-se tanto nomes emergentes quanto vozes consagradas, brasileiros e estrangeiros. A organização informou que as sessões com maior sucesso de público incluíram as participações de Gregorio Duvivier, Ilan Pappe, Marina Silva, Nei Lopes e Rosa Montero. Adicionalmente, o evento ofereceu programações paralelas, como a Flipinha, Flipzona, FlipEduca e Flip+, que ampliaram o alcance e a diversidade das atividades.

Neste ano, o número de Casas Parceiras da Flip expandiu significativamente, passando de 29 para 35. Essas casas ofereceram quatro dias de programação intensa, com a presença de figuras proeminentes como Conceição Evaristo, Ana Maria Gonçalves, Jamil Chade e Jean Willys, que também atraíram um grande público. Paralelamente, na margem esquerda do Rio Perequê-açu, a Praça Aberta proporcionou um espaço de encontro para mais de 140 autores, coletivos editoriais e editoras independentes, promovendo uma interação rica com coletivos locais de Paraty e da Costa Verde.

Destaques dos Debates e Mesas

Debate sobre o Conflito Israel-Palestina

Um dos temas mais debatidos e procurados na Flip foi a ofensiva de Israel contra a Palestina, abordada na mesa “Breve história do longo conflito”. O historiador israelense antissionista Ilan Pappe, uma referência nos estudos sobre a região, conduziu o debate. Pappe refletiu sobre sua trajetória como pesquisador, afirmando que não imaginava que confrontar a história oficial de seu próprio país pudesse ser visto como um ato de traição. Diante de um auditório lotado e atencioso, ele explicou com clareza e profundidade como o sionismo se tornou um exemplo clássico de colonialismo de assentamento. Ele ainda fez uma distinção crucial, explicando que, enquanto colonialistas tradicionais exploram a população nativa, os colonialistas de assentamento buscam eliminar a população local.

Meio Ambiente em Pauta

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, reuniu milhares de pessoas na mesa que registrou a maior audiência da edição, tanto nas transmissões ao vivo pelo YouTube da Flip quanto nos auditórios físicos do evento. A ministra discorreu sobre a luta pela preservação ambiental e as políticas de devastação no atual contexto político do Brasil. Ela expressou sua preocupação com o Projeto de Lei 2.159/21, que trata das regras de licenciamento ambiental, lamentando que o licenciamento seja a principal “vértebra” da proteção ambiental no país e que sua mutilação ou desfiguração, como aprovado no Congresso, impossibilitaria o alcance das metas de redução de emissões de CO².

O Samba e a Ancestralidade

No palco do Auditório da Matriz, o renomado sambista e intelectual Nei Lopes participou da mesa “Senhora Liberdade”. Em uma conversa com Luiz Antonio Simas, mediador da mesa e seu parceiro de longa data, Nei Lopes compartilhou aspectos de sua trajetória, histórias e aprendizados como pesquisador e como sambista. Ele reiterou que o samba é, de fato, uma cultura completa, e que uma parte significativa do Brasil é profundamente devedora da africanidade. Consequentemente, ele assumiu um forte compromisso com sua própria ancestralidade, expressando a importância dessa conexão em sua vida e obra.