O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) celebra 75 anos de atuação no Brasil, marcando uma trajetória de parcerias estratégicas e conquistas notáveis na defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Um dos marcos mais significativos dessa jornada é a drástica redução da mortalidade infantil, que caiu em impressionantes 90% desde o início das operações da organização no país. Inicialmente, de cada mil nascidos vivos, cerca de 158 não completavam o primeiro ano de vida, um cenário que se transformou para apenas 12 mortes por mil atualmente. Essa diminuição expressiva é resultado da colaboração contínua entre o Unicef, o poder público e diversas organizações da sociedade civil.
Marcos e Celebrações: Livro e Exposição Comemoram Trajetória
Ao longo de sete décadas e meia, a atuação do Unicef no Brasil expandiu-se muito além da saúde, abrangendo áreas cruciais como educação, proteção, e o combate à pobreza. Para assinalar esta importante efeméride e revisitar as conquistas e desafios enfrentados pela infância e adolescência brasileira, a organização lançou, durante um evento comemorativo no Palácio Itamaraty, em Brasília, o livro “UNICEF, 75 anos pelas Crianças e pelos Adolescentes – Uma História em Construção”. Além da publicação, foi inaugurada a exposição “Passos para o Amanhã”, que oferece uma experiência imersiva sobre o impacto do trabalho da entidade.
A mostra “Passos para o Amanhã”, localizada também no Palácio Itamaraty, constitui uma homenagem aos avanços alcançados em conjunto com o governo federal. Por meio de seis esculturas em tamanho real, criadas pelo artista André Alves de Freitas, a exposição ilustra transformações concretas em áreas essenciais da vida infantil. Cada obra simboliza uma contribuição do Unicef para a mudança de realidades, destacando temas como vacinação, saneamento básico, acesso à educação, participação cidadã, a já mencionada redução da mortalidade infantil e, mais recentemente, as discussões sobre mudanças climáticas. Adicionalmente, os visitantes podem explorar uma linha do tempo interativa, que apresenta dados históricos, reportagens e momentos decisivos da atuação do Fundo no país.
Impacto Histórico e o Fortalecimento da Legislação
O Unicef esteve intrinsecamente ligado às principais transformações sociais e políticas do Brasil, oferecendo suporte ao governo e a parceiros em instantes cruciais. Por exemplo, a organização desempenhou um papel fundamental na aprovação do Artigo 227 da Constituição Federal, que consagrou a prioridade absoluta da família, sociedade e Estado na garantia dos direitos de crianças, adolescentes e jovens. Este artigo assegura direitos fundamentais como vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar, além de protegê-los de qualquer forma de negligência ou violência.
Ademais, o Unicef foi um ator chave nos debates que levaram à criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), um marco legal que revolucionou a proteção dos direitos infantojuvenis no Brasil. Posteriormente, a entidade continuou a colaborar na formulação e implementação de políticas públicas vitais, que visavam não apenas a redução da mortalidade infantil, mas também o fortalecimento da saúde pública e a ampliação do acesso a uma educação de qualidade para todos. Conforme salientou Youssouf Abdel-Jelil, representante do Unicef no Brasil, a entidade celebra que “nos últimos 75 anos, o Brasil avançou muito na garantia dos direitos de crianças e adolescentes, com conquistas que devem ser comemoradas”. No entanto, ele enfatizou a necessidade de “evitar retrocessos e seguir avançando”, pois “os direitos da infância e adolescência são uma agenda inacabada, com desafios antigos e novos que surgem”. Diante dessa realidade, “o Unicef reafirma seu compromisso em seguir junto com o Brasil, para cada criança e adolescente”.
Trajetória e Conquistas: Um Balanço Abrangente
A atenção à mortalidade infantil configurou-se como o propósito inicial da missão do Unicef no Brasil. Em 9 de junho de 1950, o primeiro acordo de cooperação foi assinado, culminando na inauguração do escritório da entidade em 13 de outubro do mesmo ano, na cidade de João Pessoa, Paraíba. Inicialmente, o acordo destinou 470 mil dólares para a distribuição de alimentos e ações de saúde materno-infantil em estados do Nordeste, combatendo a desnutrição, que era uma das principais causas de óbitos infantis. Posteriormente, essa iniciativa foi estendida a outras regiões do país.
Anos depois, o Unicef continuou a inovar, por exemplo, ao lançar em 2004, e atualizar em 2013, o kit Família Brasileira Fortalecida, uma estratégia eficaz para combater a desnutrição. Em 1954, a organização direcionou recursos que pavimentaram o caminho para o primeiro programa brasileiro de merenda escolar, estabelecendo assim as bases da política nacional de alimentação escolar. Além disso, nos anos 1960, o Unicef apoiou as primeiras campanhas de vacinação contra a poliomielite, e em 1973, contribuiu diretamente para a criação do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, tornando o Brasil um modelo global em vacinação infantil.
Paralelamente, diversas campanhas nacionais ganharam destaque com o apoio técnico e financeiro do Unicef. Entre elas, o trabalho da Pastoral da Criança que popularizou o soro caseiro como medida preventiva contra a desidratação infantil, frequentemente causada por diarreia. Outra iniciativa marcante na década de 1980 foi a campanha de incentivo ao aleitamento materno, que resultou em um aumento de 29% na adesão a essa prática vital. Nesse mesmo período, com o suporte da instituição, o Brasil implementou o Programa de Agentes Comunitários de Saúde e o Programa Saúde da Família, expandindo significativamente sua rede pública de saúde.
Mais recentemente, o Unicef atuou no combate às consequências da epidemia de Zika entre 2015 e 2016, desenvolvendo kits de estimulação sensorial e capacitando profissionais de saúde e famílias, em colaboração com parceiros locais. Suas ações também se concentraram em regiões vulneráveis como a Amazônia e o Semiárido, através do Selo Unicef. Lançado em 1999 no Ceará e expandido para 18 estados, o Selo reconhece e incentiva municípios a promoverem avanços nos direitos infantojuvenis, alcançando mais de 2 mil cidades e transformando inúmeras vidas.
Durante a pandemia de Covid-19, em 2020, o Unicef reorientou suas atividades para proteger crianças e adolescentes, focando em água, saneamento e higiene em territórios vulneráveis. Essa iniciativa garantiu o acesso a água potável, materiais de higiene, internet e apoio psicossocial para milhões de famílias. Entre 2020 e 2022, mais de 17 milhões de pessoas foram beneficiadas por essas ações emergenciais. Em 2022, o lançamento da #AgendaCidadeUNICEF direcionou esforços para enfrentar violências e exclusões em oito grandes centros urbanos, com foco nas periferias, buscando melhorar a realidade de crianças e adolescentes nas metrópoles brasileiras. Segundo a organização, “Todas essas ações vêm mudando realidades. Se em 1950 a expectativa de vida ao nascer era de 48 anos, em 2023 o número passou para 76,4 anos. A melhora é reflexo de décadas de avanços em políticas públicas de saúde, realizadas pelo Brasil, com apoio do Unicef”.
Olhar para o Futuro: Os Próximos Desafios
Apesar dos avanços significativos, o Unicef enfatiza que ainda há um longo caminho a percorrer para assegurar a plenitude dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil. A instituição elenca algumas agendas prioritárias para o futuro. Primeiramente, a redução da pobreza e das desigualdades permanece crucial, o que inclui a garantia de acesso universal à saúde e educação de qualidade para todos.
Em segundo lugar, o enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes é uma área de preocupação especial, sendo a única agenda em que o Brasil não demonstrou progresso nas últimas décadas. As mortes violentas, especialmente de meninos negros, representam uma realidade alarmante que exige atenção imediata e ações coordenadas. Além disso, a organização destaca desafios emergentes como a saúde mental, em um mundo cada vez mais conectado, as questões migratórias e, crucialmente, a mitigação da emergência climática.
Neste último ponto, o Unicef sublinha a importância da COP30, que ocorrerá no Brasil, defendendo que a agenda climática global e nacional priorize a proteção e o bem-estar dos mais vulneráveis. O representante do Unicef no Brasil concluiu reafirmando o compromisso da organização: “Temos que seguir trabalhando nessa agenda inacabada, junto com comunidades, governos – em vários níveis –, sociedade civil, setor privado, e as próprias crianças e adolescentes, para garantir um presente e um futuro seguros e prósperos”.