O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou de maneira contundente, neste domingo (6), durante a cúpula de líderes do Brics no Rio de Janeiro, que a procrastinação na reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) está tornando o cenário internacional “mais instável e perigoso”. A declaração marcou o tom de seu discurso na abertura da sessão sobre Paz e Segurança, onde também abordou temas como gastos militares, terrorismo e a necessidade de uma governança global mais representativa.
Ao ser o primeiro líder a discursar no evento, o mandatário brasileiro descreveu o momento atual como o mais desafiador para a paz mundial desde que o Brasil assumiu a presidência do grupo. Segundo Lula, o mundo testemunha um “colapso sem paralelo do multilateralismo”, uma situação que coloca em risco a autonomia de nações que, historicamente, não se alinharam incondicionalmente às potências ocidentais. Nesse sentido, ele estabeleceu um paralelo entre o Brics e o Movimento Não-Alinhado, destacando que, com o multilateralismo sob ataque, a soberania desses países está novamente em xeque.
Posteriormente, o presidente direcionou suas críticas à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), argumentando que decisões recentes da aliança militar fomentam uma nova corrida armamentista. Ele contrastou a facilidade com que nações destinam até 5% de seu Produto Interno Bruto (PIB) para despesas militares com a dificuldade em cumprir a promessa de alocar 0,7% para a Assistência Oficial ao Desenvolvimento. Essa disparidade, segundo ele, demonstra que os recursos para implementar a Agenda 2030 existem, mas são preteridos por uma preferência política pela guerra em detrimento da paz.
A Urgência da Reforma no Conselho de Segurança da ONU
No centro de seu pronunciamento, Lula diagnosticou que as decisões do Conselho de Segurança da ONU são atualmente marcadas por uma severa “perda de credibilidade e paralisia”. Para ele, o órgão frequentemente deixa de ser consultado antes do início de ações bélicas, e velhas manobras retóricas são recicladas para legitimar intervenções ilegais. Atualmente, o conselho é composto por 15 nações, das quais apenas cinco são membros permanentes com poder de veto: Estados Unidos, China, Rússia, França e Reino Unido, uma estrutura que o Brasil considera anacrônica.
Há anos, o Brasil defende uma ampla reforma no colegiado, com a inclusão de mais nações com assento permanente. Lula lembrou que essa pauta ganhou força durante a presidência brasileira do G20 no ano passado. Além disso, o presidente expressou preocupação com a instrumentalização da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), afirmando que isso coloca em jogo a reputação de uma entidade fundamental para a paz e a segurança globais. Consequentemente, ele declarou que “o temor de uma catástrofe nuclear voltou ao cotidiano”.
Posicionamentos sobre Conflitos Internacionais
A discussão sobre a AIEA foi contextualizada pela recente ofensiva israelense contra o Irã, justificada pela alegação de que Teerã estaria próximo de desenvolver armas nucleares, o que o governo iraniano nega. Lula destacou que o Brasil denunciou prontamente as violações à integridade territorial do Irã, um dos novos integrantes do Brics. Adicionalmente, ele criticou o histórico de intervenções estrangeiras no Oriente Médio e no norte da África, afirmando que o fracasso de ações no Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria, conduzidas sem amparo no direito internacional, tende a se repetir de forma ainda mais grave.
O presidente também adotou uma postura firme em relação ao conflito entre Israel e Palestina. Ele repudiou veementemente os “atos terroristas perpetrados pelo Hamas”, mas, por outro lado, condenou o que classificou como um “genocídio praticado por Israel em Gaza”, ressaltando a matança indiscriminada de civis e o uso da fome como arma de guerra. De forma semelhante, Lula recordou que o Brasil denunciou a violação da integridade territorial da Ucrânia, entretanto, evitou citar diretamente a Rússia, um dos países fundadores do Brics, defendendo que as partes aprofundem o diálogo para um cessar-fogo duradouro.
O Papel do Brics em uma Nova Ordem Mundial
Para o presidente brasileiro, se a governança internacional atual não reflete a realidade multipolar do século XXI, “cabe ao Brics contribuir para sua atualização”. Ele reconheceu avanços alcançados nos 80 anos da ONU, como a proibição de armas químicas e biológicas, mas insistiu que a estagnação do Conselho de Segurança representa uma ameaça existencial. O Brics, que reúne nações como África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia, além de novos membros como Arábia Saudita e Irã, representa hoje 39% da economia mundial e 48,5% da população do planeta, o que lhe confere um papel central na busca por um tratamento mais equânime nos organismos internacionais.
Em sua conclusão, Lula reforçou sua mensagem central. Ele argumentou que tornar o Conselho de Segurança mais legítimo, representativo e democrático, incluindo novos membros permanentes da Ásia, África e América Latina, é uma questão de justiça e uma garantia para a própria sobrevivência da ONU. Portanto, advertiu que adiar esse processo inevitavelmente torna o mundo um lugar mais instável e perigoso para todos.