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Indígena cataloga 175 plantas medicinais e resgata saber ancestral

Pesquisador indígena cataloga 175 plantas medicinais na Bahia, resgatando saber ancestral ameaçado pela história conturbada de sua terra. O estudo revela o uso de plantas, algumas exóticas, no tratamento de doenças e destaca a perda de conhecimento após décadas de conflitos fundiários.
Plantas medicinais Pataxó
Foto: Hemerson Dantas dos Santos Pataxó Hãhãhãi/Divulgação

Um estudo etnobotânico inédito realizado na Bahia revela o vasto conhecimento tradicional do povo Pataxó Hã-Hã-Hãi sobre plantas medicinais. O pesquisador Hemerson Dantas dos Santos Pataxó Hãhãhãi, doutorando na Unifesp, catalogou 175 espécies utilizadas pela sua comunidade, um trabalho que resgata saberes ancestrais ameaçados por décadas de conflitos fundiários e destruição ambiental.

Um Catálogo de Saberes Ancestrais

Inicialmente, a pesquisa de Hemerson focou em encontrar tratamentos para verminoses, diabetes e hipertensão, doenças prevalentes entre o povo Pataxó Hã-Hã-Hãi da Terra Indígena Caramuru/Paraguassu, no sul da Bahia. No entanto, o escopo do estudo se expandiu, resultando em um catálogo abrangente de 175 plantas medicinais. Esse trabalho teve como objetivo primordial recuperar e documentar os conhecimentos tradicionais sobre o uso dessas plantas, grande parte perdidos ao longo do tempo devido à conturbada história da região.

Uma descoberta intrigante foi a presença significativa de plantas exóticas entre as espécies medicinais utilizadas. Segundo Hemerson, esse fato reflete a fragmentação e o deslocamento forçado da população indígena, somados à devastação ambiental causada pela grilagem de terras e pela expansão de grandes propriedades rurais. A própria história da Terra Indígena Caramuru/Paraguassu, com seus 54.105 hectares, ilustra essa realidade.

Conflitos e Perda de Conhecimento

Declarada reserva indígena em 1926 pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), a área sofreu invasões a partir da década de 1940, impulsionadas pela expansão da cultura cacaueira. Fazendeiros expulsaram boa parte dos indígenas, e na década de 1970, o governo baiano chegou a extinguir a reserva, concedendo títulos de propriedade aos invasores. Somente no início dos anos 1980, após árdua batalha judicial, a Funai conseguiu o reconhecimento das terras para os indígenas. Entretanto, os conflitos fundiários persistem até os dias atuais.

As consequências dessa história de violência e instabilidade territorial são evidentes no trabalho de Hemerson. “Grande parte da cobertura de mata hoje se perdeu, virou pastagem. E, com isso, muitas das plantas citadas pelos anciões da aldeia foram muito difíceis de localizar e outras mesmo desapareceram”, explicou o pesquisador, descrevendo os desafios da pesquisa. Sua orientadora, Eliana Rodrigues, complementa: “Quando eles voltam na década de 1980, muitas coisas tinham mudado, todo o cenário, então não tinha mais floresta, agora só pasto, as plantas foram perdidas. O interessante é que Hemerson entrou em contato com o conhecimento sobre essas plantas do passado, dos anciões, que conheciam as plantas que existiam nas florestas antes da expulsão na década de 1940”.

Resultados e Impacto da Pesquisa

O estudo identificou 43 plantas usadas no tratamento de diabetes, verminoses e hipertensão. Mastruz, moringa e capim-cidreira são exemplos de plantas utilizadas para combater, respectivamente, verminoses, diabetes e hipertensão. Além disso, 79% das 175 plantas catalogadas têm seus usos corroborados por estudos científicos recentes. Para Eliana, o trabalho de Hemerson vai além do mero registro: “Mas ele também está resgatando” conhecimentos ancestrais perdidos, mas também preservados. Ela ressalta a importância da pesquisa, afirmando que Hemerson “é o primeiro pesquisador etnobotânico indígena do mundo”, considerando a relação única e profunda do pesquisador com seu objeto de estudo. A etnobotânica, segundo Eliana, descreve a relação entre povos e suas plantas, registrando o conhecimento sobre seus usos, seja medicinal, alimentar ou para construção.

Preservação e Disseminação do Conhecimento

Os resultados da pesquisa de Hemerson serão divulgados em um livro sobre a pesquisa, um livro de receitas para o uso seguro das plantas e um audiovisual. Por fim, um viveiro de plantas foi criado em uma aldeia, assegurando a preservação e o acesso às espécies medicinais pela comunidade. “Já estão desenvolvendo mudas no canteiro para poder distribuir ali entre os indígenas que moram naquelas aldeias próximas, além da aldeia de Hemerson”, concluiu Eliana.