Lula Defende Multilateralismo e Critica a “Lei do Mais Forte” em Artigo Global
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou sua defesa da diplomacia, da cooperação internacional e do multilateralismo como pilares para solucionar os complexos desafios globais. Em um artigo de opinião publicado nesta quinta-feira (10) em diversos veículos de imprensa influentes ao redor do mundo, Lula expressou preocupação com a crescente prevalência da “lei do mais forte” nas relações internacionais, alertando que essa tendência ameaça a estabilidade do sistema de comércio multilateral.
Críticas à Adoção de Tarifas e o Esvaziamento da OMC
Embora não tenha mencionado diretamente as políticas comerciais do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que recentemente anunciou a imposição de uma taxação de 50% sobre as exportações de produtos brasileiros para o mercado americano, Lula criticou a adoção de tarifas abrangentes. Ele argumentou que tais medidas protecionistas empurram a economia global para uma “espiral de preços altos e estagnação”, prejudicando o crescimento e a prosperidade compartilhada.
Além disso, o presidente Lula lamentou o enfraquecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC), ressaltando que a rodada de desenvolvimento de Doha, que visava promover o comércio justo e equitativo, foi esquecida. Nesse sentido, ele reiterou a necessidade urgente de reorganizar os organismos multilaterais, a fim de fortalecer sua capacidade de resolver conflitos e promover a cooperação global.
“Se as organizações internacionais parecem ineficazes, é porque sua estrutura não reflete mais a realidade atual. As ações unilaterais e excludentes são agravadas pela ausência de liderança coletiva. A solução para a crise do multilateralismo não é abandoná-lo, mas reconstruí-lo em bases mais justas e inclusivas”, escreveu o presidente.
O Papel Crucial da ONU e a Necessidade de Reforma
Lula enfatizou que o ano de 2025, que marca o 80º aniversário da Organização das Nações Unidas (ONU), deveria ser um momento de celebração. Entretanto, ele alertou que existe o risco de que este ano entre para a história como o momento em que a ordem internacional, construída desde o fim da Segunda Guerra Mundial, entrou em colapso. Para evitar esse cenário, o presidente defendeu uma reforma profunda da ONU, a fim de adequá-la às novas realidades geopolíticas e econômicas do século XXI.
De acordo com Lula, o mundo contemporâneo é radicalmente diferente daquele que emergiu após a Segunda Guerra Mundial, com o surgimento de novas potências e desafios globais complexos. Ele ressaltou que as “rachaduras” que desafiam o papel da ONU como mediadora de conflitos e disputas já estavam visíveis há algum tempo.
“Desde as invasões do Iraque e do Afeganistão, a intervenção na Líbia e a guerra na Ucrânia, alguns membros permanentes do Conselho de Segurança banalizaram o uso ilegal da força. A incapacidade de agir em relação ao genocídio em Gaza representa uma negação dos valores mais básicos da humanidade. A incapacidade de superar as diferenças está alimentando uma nova escalada de violência no Oriente Médio, cujo último capítulo inclui o ataque ao Irã”, destacou.
Críticas à Globalização Neoliberal e à Austeridade
O presidente Lula também aproveitou o artigo para criticar a globalização neoliberal e as políticas de austeridade que, segundo ele, agravaram a desigualdade e a desconfiança nas instituições. Ele argumentou que a crise financeira global de 2008 expôs o fracasso desse modelo, mas que, em vez de buscar alternativas, o mundo continuou preso ao “manual de austeridade”.
“A escolha de socorrer os ultra-ricos e as grandes corporações às custas dos cidadãos comuns e das pequenas empresas aprofundou a desigualdade”, disse.
Para Lula, o enfraquecimento da capacidade de ação do Estado gerou descontentamento popular e abriu espaço para narrativas extremistas que ameaçam a democracia e promovem o ódio. Além disso, ele lamentou o fato de que muitos países, em vez de redobrar os esforços para reduzir as desigualdades e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, cortaram programas de cooperação internacional.
“Não se trata de caridade, mas de abordar as disparidades enraizadas em séculos de exploração, interferência e violência contra os povos da América Latina e do Caribe, da África e da Ásia. Em um mundo com um PIB combinado de mais de US$ 100 trilhões, é inaceitável que mais de 700 milhões de pessoas ainda passem fome e vivam sem eletricidade ou água”, destacou.
A Crise Climática e a Responsabilidade dos Países Ricos
Lula defendeu que os países mais ricos, que são os principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa, devem assumir uma maior responsabilidade na luta contra a crise climática. Ele ressaltou que o ano de 2024 foi o mais quente da história, demonstrando que a realidade está se movendo mais rapidamente do que as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris.
“O ano de 2024 foi o mais quente da história, mostrando que a realidade está se movendo mais rapidamente do que o Acordo de Paris. As obrigações obrigatórias do protocolo de Kyoto foram substituídas por compromissos voluntários, e as promessas de financiamento feitas na COP 15 em Copenhague em 2009 – prometendo US$ 100 bilhões anuais – nunca se concretizaram. O recente aumento nos gastos militares da OTAN [Organização Militar do Atlântico Norte] torna essa possibilidade ainda mais remota”, avaliou.
A Importância do Multilateralismo e da Cooperação Internacional
Por fim, Lula alertou que os ataques às instituições internacionais ignoram os benefícios concretos que o sistema multilateral trouxe para a vida das pessoas, citando como exemplos a erradicação de doenças como a varíola, as ações para preservar a camada de ozônio e o debate sobre a proteção dos direitos trabalhistas. Ele concluiu que, em tempos de crescente polarização, é fundamental redobrar os esforços para promover a cooperação e o diálogo entre as nações, a fim de construir um futuro mais justo, sustentável e pacífico para todos.
“Em tempos de crescente polarização, termos como ‘desglobalização’ se tornaram comuns. Mas é impossível ‘desplanetar’ nossa existência compartilhada. Nenhum muro é alto o suficiente para preservar ilhas de paz e prosperidade cercadas de violência e miséria”, disse.
“Esse é o entendimento que o Brasil – cuja vocação sempre foi fomentar a colaboração entre as nações – demonstrou durante sua presidência do G20 no ano passado e continua demonstrando em suas presidências do Brics e da Cop 30 neste ano: que é possível encontrar pontos em comum mesmo em cenários adversos”, finalizou Lula.