No coração do Rio de Janeiro, o Museu de Arte do Rio (MAR) apresenta a exposição “Nossa Vida Bantu”, uma imersão na rica influência da cultura bantu na formação do Brasil. A mostra, que permanecerá em cartaz ao longo do ano, desvenda as raízes de diversas manifestações culturais brasileiras, resgatando a herança muitas vezes invisibilizada dos povos bantu de Angola e Moçambique, entre outros países da África Central.
Desvendando os Mistérios da Brincadeira “Escravos de Jó”
Um dos pontos altos da exposição é a investigação da origem da brincadeira infantil “Escravos de Jó”. Contrariando interpretações comuns que associavam “Jó” a um traficante ou figura religiosa, a artista Aline Motta propõe uma nova leitura. Segundo Motta, “Jó” pode derivar de “nzo”, palavra que significa “casa” em quicongo, referindo-se às mulheres escravizadas que trabalhavam como domésticas. A brincadeira, com seus movimentos em ziguezague e a menção ao “caxangá” (provavelmente um jogo de búzios), representaria, de forma codificada, as tentativas de fuga dessas mulheres.
Em uma das salas, a artista utiliza projeções de imagens de pessoas escravizadas, trechos de jornais da época e palavras bantu dispostas em círculos, elementos que refletem a rítmica circular característica da cultura afro-brasileira. Essa instalação, portanto, não se limita a uma simples exposição, mas configura-se como uma experiência imersiva que busca conectar o passado com o presente.
A Herança Bantu na Cultura Brasileira: Muito Além das Tradições
Além de “Escravos de Jó”, a exposição “Nossa Vida Bantu” evidencia a vasta contribuição bantu em diferentes aspectos da cultura brasileira. Marcelo Campos, curador-chefe do MAR, explica que a intenção é resgatar uma cultura presente, mas pouco estudada e representada, em comparação com a influência nagô e iorubá. “Vamos resgatar, trazer para o centro a cultura bantu, que é africana, sobretudo da África central, mas sobre a qual falamos pouco”, afirma Campos.
A mostra destaca a influência bantu em tecnologias como a metalurgia e a manipulação do couro, em práticas religiosas e gestuais, e até mesmo em expressões linguísticas cotidianas como “dengo”, “moleque”, “mafuá” e “farofa”. Congadas e folias também são exemplos de manifestações culturais com raízes na herança bantu. Como se lê em um texto introdutório da exposição: “A presença das culturas bantu no Brasil e em diversos territórios das Américas não se limita a uma herança remota, mas se expressa em práticas que organizam o tempo, o espaço, a linguagem e a vida em comunidade”.
Diversidade Artística e Perspectivas Plurais
Com mais de 50 obras, entre filmes, pinturas, fotografias e música, a exposição reúne o trabalho de mais de 20 artistas nacionais e internacionais. Entre eles, destacam-se o coletivo de artistas africanos Verkron, o coletivo indígena Mahku e o artista carioca André Vargas. Este último, segundo Campos, trabalha com a poesia, criando frases que remetem à umbanda e aos pretos-velhos, citando nomes como “Joaquim de Angola” para mostrar a ligação com os países africanos cultuados nos ritos afro-diaspóricos.
Além disso, a mostra aborda a interação entre a cultura bantu e a cultura indígena, mostrando como a herança bantu foi incorporada e ressignificada pelos povos originários após a dispersão de pessoas escravizadas e seus descendentes. Tiganá Santana, filósofo, pesquisador e artista, atuou como curador convidado e ressalta, em nota, que a exposição busca evidenciar “subjetividades e ações artísticas entre Brasil, Angola, Cuba e Uruguai, a versar sobre presenças bantu a partir de agora, acontecendo nesta molécula de instante”.
Informações Práticas
Em conclusão, a exposição “Nossa Vida Bantu” no MAR é uma oportunidade única de conhecer e apreciar a riqueza da cultura bantu no Brasil. O museu, pertencente à prefeitura do Rio de Janeiro, abre diariamente das 11h às 18h, exceto às quartas-feiras. A entrada é gratuita às terças-feiras.