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Trabalho remoto: pesquisa expõe péssimas condições em plataformas digitais

Estudo global revela que a maioria das plataformas online de trabalho remoto oferecem condições precárias, com salários abaixo do mínimo, atrasos de pagamento e falta de segurança para os trabalhadores. A pesquisa Fairwork aponta que apenas quatro das 16 plataformas avaliadas garantem o salário mínimo.
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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Trabalho Remoto em Plataformas Digitais: Um Cenário de Precariedade

Plataformas digitais se tornaram protagonistas na intermediação de serviços diversos, desde entregas e transporte até aluguéis por temporada. No entanto, sua atuação se estende a um vasto mercado de trabalho remoto, abrangendo tarefas como alimentação de bancos de dados de inteligência artificial, criação de conteúdo, suporte a vendas e até mesmo serviços profissionais, como os prestados por contadores, advogados e arquitetos, contratados por projetos. Esse modelo, que para muitos representa a principal fonte de renda, expõe uma realidade preocupante de condições precárias de trabalho, segundo uma pesquisa recente.

De acordo com o Relatório Fairwork Cloudwork Ratings 2025, um estudo global coordenado pela Universidade de Oxford e pelo instituto WZB Berlin, divulgado em evento online neste mês, seis em cada dez trabalhadores dependem dessas plataformas como sua principal fonte de renda. Entretanto, a pesquisa revela um panorama sombrio, com atrasos de pagamento, salários abaixo do mínimo e falta de segurança para os profissionais. O estudo avaliou 16 das plataformas de trabalho em nuvem mais populares, entrevistando cerca de 750 trabalhadores em 100 países, atribuindo uma nota média de apenas 3,5 em uma escala de 10, para as condições de trabalho oferecidas.

Resultados Preocupantes da Pesquisa Fairwork

O relatório destaca a Amazon Mechanical Turk, Freelancer e Microworkers como as plataformas que oferecem as piores condições de trabalho, não pontuando na avaliação. A Upwork obteve apenas um ponto, enquanto Fiverr e Remotasks receberam dois pontos. É importante notar que nenhuma dessas empresas se manifestou sobre os resultados da pesquisa. Um dos aspectos mais críticos apontados pelo Fairwork é a questão do pagamento. Um terço dos entrevistados relatou não ter recebido por serviços prestados ou ter recebido o pagamento em cartões-presente, obrigando-os a recorrer a leilões online para converter esses valores em dinheiro em suas contas bancárias. Um trabalhador na Nigéria, conhecido como “turker”, relatou a frustração de receber cartões-presente ao invés de depósitos diretos em sua conta bancária, ilustrando a dificuldade enfrentada por muitos profissionais.

Além disso, a pesquisa destaca que apenas quatro das 16 plataformas avaliadas conseguiram comprovar o pagamento de, pelo menos, um salário mínimo aos trabalhadores, descontados impostos. Esse cenário contrasta fortemente com a movimentação financeira do setor, estimada em US$ 557 bilhões em 2024, com projeção de crescimento para US$ 647 bilhões em 2025. No Brasil, onde o salário mínimo é de R$ 1.518, a situação se mostra igualmente preocupante. Segundo Jonas Valente, pesquisador brasileiro no Oxford Internet Institute e coordenador do relatório, o Fairwork buscou dados que comprovassem o pagamento do salário mínimo, mas encontrou evidências apenas em quatro das plataformas. Em dois casos, as empresas possuíam políticas internas que proibiam pagamentos abaixo do mínimo local; nas outras duas, foram compartilhados dados de pagamento comprovando a adequação.

Contratos Vagos e Falta de Proteção Social

Outro ponto crucial levantado pelo relatório é a falta de clareza e transparência nos contratos apresentados pelas plataformas. Valente ressalta a importância dos contratos em definir as regras de trabalho, mas aponta que muitos contratos nessas plataformas são confusos e de difícil compreensão, especialmente para trabalhadores de países onde o inglês não é a língua oficial, como o Brasil. Essa falta de clareza pode levar a situações problemáticas, com suspensões ou desligamentos indevidos dos trabalhadores. Ainda mais grave é a omissão das plataformas em relação à saúde dos trabalhadores, apesar da exigência de alta disponibilidade. A pesquisa cita o caso de uma profissional peruana formada em ciências sociais que, após longas jornadas de trabalho diante da tela – entre 6 e 9 horas diárias, incluindo madrugadas – precisou de cirurgia para corrigir problemas na retina, sem receber qualquer suporte da empresa, sendo inclusive demitida.

Em vista da dificuldade de fiscalização do trabalho remoto, dada a dispersão geográfica dos trabalhadores e a ausência de sindicatos representativos em muitos casos, o Fairwork defende uma regulamentação mais rigorosa por parte dos Estados. Valente defende a necessidade urgente de mobilização de governos e órgãos reguladores para responsabilizar as plataformas, seja através de leis internacionais, ou diretrizes específicas para o trabalho em plataformas. Ele alerta para os riscos de milhões de pessoas continuarem presas a empregos digitais inseguros e mal remunerados, sem voz, direitos ou proteção. No Brasil, ele destaca a importância da regulamentação proposta no Projeto de Lei 12/24, que deveria incluir todos os trabalhadores em plataformas e não apenas os motoristas de transporte privado, conforme a proposta original.

Ações do Ministério Público do Trabalho no Brasil

A preocupação com a precarização do trabalho remoto em plataformas é compartilhada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) brasileiro, que tem recebido diversas denúncias de descumprimento da legislação trabalhista. O Projeto Plataformas Digitais, criado pelo MPT, acompanha essa realidade e busca soluções. O procurador Rodrigo Castilho reconhece a gravidade da situação e aponta a violação da jornada de trabalho, a necessidade de adequação do ambiente de trabalho, as dificuldades de organização sindical e a baixa remuneração como principais problemas. Ele destaca a prática recorrente das plataformas de classificar os trabalhadores como colaboradores autônomos, independentes, negando-lhes direitos trabalhistas como férias, décimo terceiro salário e descanso remunerado, garantidos aos trabalhadores formalizados com carteira assinada. Na ausência de regulamentação específica para o setor, Castilho defende a aplicação da legislação trabalhista nacional.

Castilho também enfatiza a importância de um compromisso ético das plataformas com seus trabalhadores, argumentando que, embora o capitalismo imponha suas regras, a exploração e a violação dos direitos humanos são inaceitáveis. O Fairwork, desde 2023, tem oferecido suporte às plataformas para a melhoria das condições de trabalho, resultando em 56 melhorias em algumas empresas. Entretanto, essas mudanças não se estenderam a todas as plataformas investigadas. Em 2025, o Fairwork convidou as 16 plataformas para comentar a pesquisa, mas apenas três responderam, reconhecendo problemas e se comprometendo com melhorias futuras. As demais não se manifestaram.