A Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, foi palco de um evento marcante: a CryptoRave, uma maratona de 24 horas dedicada à segurança e privacidade digital. Realizada entre a sexta-feira (16) e o sábado (17) de maio, a iniciativa gratuita e aberta ao público ofereceu uma programação eclética, reunindo debates, oficinas e instalações de softwares livres, refletindo a amplitude da influência da tecnologia em diferentes esferas da sociedade, de movimentos sociais a questões de gênero e raça.
Uma maratona pela segurança digital
A CryptoRave se destacou não apenas pela relevância dos temas abordados, mas também por sua proposta inusitada: uma imersão noturna na biblioteca, permitindo aos participantes levar colchonetes e cobertores para se acomodarem durante as 24 horas de evento. Além disso, os participantes puderam contar com suporte para instalar sistemas operacionais livres em seus computadores, uma alternativa que prioriza a proteção de dados e a autonomia dos usuários, ao contrário de softwares produzidos por grandes corporações. Este serviço foi oferecido em um espaço dedicado chamado InstallFest. A iniciativa demonstra a preocupação da CryptoRave com a democratização do acesso a tecnologias mais seguras e livres de vigilância.
Autonomia tecnológica e autodeterminação: pilares do evento
Seguindo a filosofia dos movimentos cyberpunk, a CryptoRave adotou o lema “Privacidade para os fracos, transparência para os poderosos”. Esse princípio reflete a visão dos organizadores, que priorizam a autonomia, a autodemarcação territorial e a auto-organização. Ademais, a autodeterminação, conceito central para movimentos indígenas e indigenistas, também permeou as discussões. A autodeterminação, segundo os organizadores, representa o direito de viver livremente, de acordo com a própria escolha, um direito fundamental para os povos originários e diretamente relacionado a contextos de opressão e violência, como o genocídio palestino.
Este ano, a CryptoRave recebeu 153 propostas de atividades, das quais uma grade de programação foi selecionada por uma curadoria. A grande participação de 111 voluntários reforçou o caráter coletivo e colaborativo do evento, que se autofinanciou. A mesa de abertura contou com a presença de figuras importantes como TC Silva, músico e militante do Movimento Negro Unificado, e Yunuen Torres Ascencio, indígena p’urhépecha de Cherán, no México – cidade reconhecida pela forte atuação feminina na defesa do território contra o tráfico, abuso policial e exploração madeireira. O tema central da abertura, “Da autonomia tecnológica ao autogoverno: Experiências comunitárias no Jardim São Luís, Vila Castelo Branco e Cherán”, promoveu debates sobre o poder das big techs e a resistência oferecida por infraestruturas autônomas.
Um evento que surgiu da necessidade de um espaço inclusivo
A cientista social Elisa Ximenes, envolvida na organização desde os primórdios, relatou como a ideia surgiu a partir da constatação da necessidade de um evento de segurança digital inclusivo. A repercussão do caso Edward Snowden, que expôs as violações de privacidade cometidas pela NSA e CIA, através do acesso irrestrito a dados de celulares e computadores, serviu como um catalisador para a criação da CryptoRave. A primeira edição ocorreu em 2013, durante a gestão do prefeito Fernando Haddad, que mantinha a política de funcionamento 24 horas da Biblioteca Mário de Andrade, condição fundamental para o evento.
Em entrevista à Agência Brasil, Elisa Ximenes destacou o crescimento orgânico da CryptoRave, que se consolidou como um evento totalmente independente, sem patrocínio de empresas ou governos. Este aspecto garante a liberdade de expressão e organização dos participantes. A cientista social ressalta ainda que o evento busca ser o mais inclusivo possível, com um código de conduta para evitar qualquer tipo de discriminação e preconceito, contrariamente à maioria dos eventos do gênero, geralmente financiados por grandes empresas de tecnologia e com predominância masculina e branca. A CryptoRave, portanto, se diferencia pela busca de uma tecnologia libertadora, inclusiva e diversa.
O futuro da CryptoRave: tecnologia para a libertação
A CryptoRave, batizada pelo sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, que lançou seu livro “Tecnopolítica” durante o evento, demonstra uma preocupação com a inclusão e a diversidade, buscando expandir o debate sobre segurança e privacidade digital para além da comunidade técnica. Em 2024, o evento incluiu a participação de mulheres amazônidas, reforçando seu compromisso em romper com padrões hegemônicos e promover um papel emancipador da tecnologia. No sábado, um debate sobre “machine learning”, coordenado por TC Silva, explorou o conceito de uma infraestrutura soberana, distribuída e participativa para o aprendizado de máquina. A CryptoRave, em suma, representa um espaço de resistência e construção de uma tecnologia a serviço da libertação e da inclusão social.
Serviço
CryptoRave
Quando: 16 e 17 de maio, das 18h às 18h
Local: Biblioteca Mário de Andrade | R. da Consolação, 94 – República, São Paulo – SP
Entrada gratuita, com credenciamentos até as 21h desta sexta-feira e a partir das 9h de sábado. Quem estiver com a pulseira de identificação poderá entrar e sair livremente durante a madrugada. Venda de alimentos será feita somente no período da madrugada.
Instagram: https://www.instagram.com/cryptoravebr/
Programação: https://cpa.cryptorave.org/cryptorave-2025/schedule/