Por Bruno Brito – Colunista Edição Brasília
Em um excelente artigo intitulado “Uma fábula de improdutividade”, Marcos Mendes explora a equivocada estrutura de incentivos existente no Brasil e que leva o país a uma baixa produtividade, concluindo:
“Nenhum dos personagens citados tem comportamento ilegal. Eles jogam o jogo de acordo com as regras que estão postas. O erro está nas regras. Mudá-las requer superar as dificuldades das decisões coletivas. Não mudá-las implica continuar com talentos profissionais e dinheiro público mal alocados, empregos improdutivos, potenciais inexplorados, gasto público excessivo, oportunidades perdidas, incentivos errados. Uma fábula de improdutividade.”
Pois bem, nessa semana o Governo Federal edita mais uma Medida Provisória, a MP 1184, que amplia a fábula de improdutividade brasileira ao distorcer a estrutura de incentivos no mercado de capitais. Diferentemente do que foi anunciado pelo governo federal e reverberado pela mídia chapa branca, essa MP não endereça os fundos dos “super ricos” ou fundos exclusivos com um único cotista. Essa MP endereça TODOS os fundos fechados, com exceção dos fundos de ações, imobiliários, de participações classificados como veículos de investimento e ETFs.
A narrativa de que se busca uma “justiça tributária” e que a MP é uma forma de igualar os fundos dos “super ricos” aos fundos abertos destinados aos demais investidores é falaciosa, para dizer o mínimo. Na prática, o que foi feito foi igualar a tributação dos fundos fechados aos fundos abertos com um objetivo claramente arrecadatório, quando na realidade a medida correta a ser tomada era justamente o contrário, ou seja, deveriam igualar a tributação dos fundos abertos aos fundos fechados.
Os fundos fechados pagam imposto de renda sobre ganho de capital no momento do resgate ou amortização de cotas, o que faz total sentido e está alinhado às melhores práticas. Para ilustrar ao leitor através de uma analogia simples com investimento em um imóvel, a tributação ocorreria quando da venda do imóvel com algum ganho de capital (modelo do fundo fechado) e não quando ocorresse uma valorização de “papel” do imóvel e nenhuma venda fosse efetuada (modelo do fundo aberto “come cotas”).
Após o início de vigência da MP 1184, os fundos fechados passariam a ser tributados por um modelo conhecido como “come cotas”. Trata-se de mais uma jabuticaba. Funciona da seguinte forma: a cada 6 meses apura-se a rentabilidade da cota do fundo em questão e recolhe-se o imposto de renda de 15% sobre os rendimentos. Esse recolhimento ocorre em duas datas específicas ao longo do ano, no último dia útil de maio e no último dia útil de novembro. O administrador do fundo faz o cálculo, resgata compulsoriamente a aplicação de cada cotista e repassa o montante para a Receita Federal. Se no mês seguinte a cota do fundo se desvaloriza por qualquer motivo o tributo já foi pago e o investidor amarga essa perda de patrimônio. Na prática, o “come cotas” é uma expropriação do patrimônio privado travestida de adiantamento de tributos.
O sistema de tributação “come-cotas” foi criado no Brasil em 2004, no primeiro governo Lula, num momento de crise da economia brasileira, quando o governo foi obrigado a elevar os juros para conter uma especulação contra o real e precisava aumentar a arrecadação. Infelizmente esse modelo se perpetuou até os dias de hoje e contribui para a manutenção de grandes distorções na alocação da poupança nacional no mercado de capitais, vejamos alguns exemplos:
- Encurta o horizonte de investimento dos agentes econômicos: Em uma país com uma baixa poupança interna como o Brasil, o ato de poupar para o longo-prazo deveria ser incentivado e não punido. O modelo de tributação do “come cotas” incentiva os agentes econômicos a um horizonte de investimento de mais curto-prazo, pois a cada 6 meses o governa irá tributar 15% do seu ganho de capital, independentemente se o investidor resgatou ou não os recursos.
- Reduz a produtividade potencial da economia: O modelo de tributação do “come cotas” prejudica a produtividade do país, uma vez que os investimentos privados geralmente geram uma maior produtividade na economia do que os gastos públicos. Ou seja, aquele real que estava no patrimônio de um fundo de investimento sendo gerido por um gestor profissional na busca das melhores oportunidades de alocação de capital vai parar no caixa do tesouro nacional e será usado no custeio da máquina pública, diminuindo assim a produtividade agregada da economia.
- Desalinha incentivos e gera efeitos de segunda ordem indesejados: Imagine uma empresa que busca se financiar via mercado de capitais. Essa empresa emite ações que são adquiridas por um Fundo de Ações (que não é tributado via “come cotas”). Essa mesma empresa também emite debêntures, títulos de dívida privado, que são adquiridas por um fundo multimercado ou um fundo de renda fixa (que são tributados via “come cotas”). Qual o sentido disso? A mesma empresa, o mesmo risco de negócio. Se o comprador do papel de dívida corporativa vai ser tributado via “come cotas” é óbvio que ele vai exigir mais taxa para financiar a empresa e isso encarece o custo do crédito.
- Gera mais dificuldade para as empresas se financiarem com títulos de logo prazo e com alguma carência: Imagine um fundo multimercado que compre um título de dívida de uma empresa que pague a primeira parcela somente 1 ano após a liquidação do investimento e que esse título tenha seu valor marcado na curva do papel e, portanto, auferindo rentabilidade positiva. Nesse caso, em maio e novembro do primeiro ano o fundo será tributado via “come cotas” sem ter recebido nenhum centavo do devedor. O horizonte temporal dos agentes econômicos é reduzido.
Enfim, o mesmo governo federal que esbraveja aos quatro ventos contra o Banco Central independente em prol da redução da taxa de juros e melhoria das condições do crédito, é o mesmo governo que edita uma MP que distorce e encarece o custo do crédito via mercado de capitais. Ou é hipocrisia ou é miopia derivada de uma incapacidade de identificar os efeitos de 2ª ordem da regulação.
Adicionalmente, a MP insere um componente de insegurança jurídica gravíssimo ao normatizar a tributação do estoque total de rendimentos dos fundos fechados pela sistemática do “come cotas”. É óbvio que isso será objeto de discussão judicial pois afronta o princípio constitucional da irretroatividade da lei tributária, indo inclusive contra a jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal.
O debate sério em relação a tributação dos fundos de investimento no Brasil deveria passar pelo desenho de uma estrutura tributária que incentivasse um aumento da poupança nacional, atraísse mais investimentos e trouxesse mais eficiência na alocação dos recursos via mercado de capitais, tudo isso em busca de uma maior produtividade para o país.
Enquanto isso não ocorre, só nos resta torcer para que o Congresso Nacional desidrate essa MP e engaje a sociedade num debate sério e sem populismo sobre a tributação de fundos, em linha com as melhores práticas internacionais e sem essa narrativa falaciosa de fundos de “super ricos”.