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De Tirar o Fôlego: Documentário da A24 sobre mergulhos letais impressiona mas não vai às profundezas

De Tirar o Fôlego (Netflix/A24)

Nos primeiros minutos de De Tirar o Fôlego, documentário sobre os mergulhos livres dos mais ousados apneístas do mundo, acompanhamos em tempo real a tentativa de Alessia Zecchini de alcançar, sem tanque de ar ou qualquer outro auxílio respiratório, as profundezas do mar e bater um recorde mundial. Acompanhamos em silêncio enquanto o mar à sua volta escurece e eventualmente se torna preto, longe de quase toda luz. Então, a poucos metros de voltar à superfície, ela desmaia.

É uma abertura espetacular que, através do tipo de imagem impactante que povoará todo o filme da diretora Laura McGann, nos diz tudo que precisamos saber sobre seu assunto, seus personagens e seus temas. O risco é claro, a ousadia também. Mergulho livre é um dos esportes mais perigosos do planeta, e mostrando o desmaio de Zecchini, um dos maiores nomes da história da modalidade, McGann imediatamente instala em nós tanto a sensação de risco que acompanhará cada mergulho quanto o entendimento do quão corajoso (ou louco) alguém tem que ser para tentar algo assim.

É profundo, em vários sentidos. A encenação do momento conta a história de Alessia e mostra o quão belo e assustador pode ser acompanhar essa prendida de respiração entre as ondas, usando (literalmente) a extensão de seu mergulho como veículo para todas essas ideias. Infelizmente, De Tirar o Fôlego nunca volta lá. Depois de um início marcante, a estrutura usada por McGann coloca o filme em águas rasas em troca de manipular nossas emoções, eventualmente levando-nos a um clímax emocional mas barato.

Voltamos anos nos tempo para conhecer Zecchini e seu futuro parceiro (no mergulho e no amor) Stephen Keenan. Vemos como ambos descobriram a modalidade, se apaixonaram por este mundo e se conheceram. Nenhum dos dois aparece, em câmera, até a reta final do filme. Até lá, ouvimos a voz de um dos dois, mas não do outro. Espectadores mais atenciosos, então, vão rapidamente deduzir que uma tragédia se aproxima. O acontecimento em si não seria uma surpresa mesmo se McGann não o escondesse; estamos falando de um esporte associado a mortes. Sua abordagem, tratando o momento quase como uma reviravolta mal escondida num roteiro, é o verdadeiro erro.

De Tirar o Fôlego usa imagens reais e recriações fiéis para colocar em telas os vários feitos de Alessia, uma mulher determinada e de cabeça dura cuja vontade de ganhar supera em muito as preocupações com sua segurança, e de Stephen, que após anos perambulando pelo mundo se descobre como um expert em justamente garantir a sobrevivência desses mergulhadores. A primeira hora, quando suas vidas são traçadas em paralelo mas nunca se tocando, sobrevive basicamente transformando cada um destes mergulhos numa cena de ação e suspense, com o bom olhar de McGann e a fotografia de Tim Cragg, o mar se torna um outro mundo — implacável em suas paisagens alienígenas. A trilha sonora de 
Nainita Desai adiciona um quê meditativo aos cenários, e somos hipnotizados ao ponto de quase esquecermos de respirar.

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Então, durante uma competição acirrada na qual o recorde mundial é quebrado três vezes — algumas por Alessia, e outras por sua rival, a japonesa Hanako Hirose — o filme atinge seu ápice. Não só temos a sequência mais arrebatadora de mergulhos, como também vemos o florescer do relacionamento de Alessia e Stephen. McGann de fato consegue criar a atmosfera de carinho e companheirismo necessária para nos envolvermos neste início de romance. Contudo, ela prefere apenas colocar os pés na água, e nunca pular de cabeça.

Por um lado, é possível argumentar que McGann não está escondendo o jogo. Inúmeros entrevistados reforçam, constantemente, os perigos da apneia, e a exclusão de entrevistas atuais com ambos Alessia e Stephen deixam bem claro que algo aconteceu com pelo menos um deles. Mas não demora muito para juntarmos as peças, e quando o evento definidor do filme enfim vem, há menos de 30 minutos para explorar as consequências e detalhes do que se passou.

É como se De Tirar o Fôlego nunca nos deixasse entrar no íntimo dessa história. A forma como o filme retém informações em busca de nos devastar com um maremoto sentimental avistado muito antes de sua chegada beira o frustrante, e impede a criação de uma conexão maior com Alessia e Stephen. Ficamos à deriva, desejando por um retrato mais preciso de seu luto, sua superação ou seus medos. Os já costumeiros textos pré-créditos nos atualizam da situação, mas não desfazem o dano que McGann gera ao transformar aquilo que devia ser o centro emocional da obra num mistério pouco secreto (vendo o filme na Netflix, não foi difícil imaginar uma pessoa menos paciente jogando os nomes dos personagens no Google e obtendo respostas).

De Tirar o Fôlego é, em seus melhores momentos, o tipo de documentário transformador que nos leva para outro universo, nos revela cantos nunca antes vistos da experiência humana e do planeta onde habitamos. É na sua incapacidade de fazer o mesmo com as emoções e relacionamentos que o filme se afoga.

Fonte: https://www.chippu.com.br/noticias/de-tirar-o-folego-documentario-netflix-a24-vale-a-pena-critica