Ícone do site Edição Brasília

5 mil mulheres indígenas em Brasília por proteção da terra e da vida

Conferência mulheres indígenas Brasília

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência

Cerca de cinco mil mulheres indígenas, provenientes de todas as regiões do Brasil, reuniram-se em Brasília para participar da 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas, um evento crucial que teve início na noite de segunda-feira (4). Este encontro representa um clamor vigoroso pela proteção de seus territórios e modos de vida, diante das ameaças iminentes representadas pelo garimpo ilegal e pela flexibilização ambiental proposta pelo Projeto de Lei (PL) 2.159/21.

Jornadas e Denúncias de um Povo Resiliente

A determinação de Pangroti Kayapó, de 60 anos, e de sua neta Nhaikapep, de 22, exemplifica a dedicação dessas mulheres. Elas enfrentaram mais de 32 horas de viagem de ônibus, partindo de São Félix do Xingu (AM) até a capital federal, para expressar suas preocupações. Para ambas, a conferência se configura como um espaço vital para denunciar a devastação que assola suas comunidades. Elas buscam sensibilizar a nação para as consequências do garimpo ilegal, que continua a impactar profundamente a região onde seus ancestrais nasceram e se dedicaram à defesa da natureza e de sua cultura.

Pangroti, que se comunica em sua língua originária, teve suas palavras traduzidas pela neta, que possui formação em escola não indígena. “Para que a gente proteja a natureza, pedimos proteção para nós, para nosso ambiente e nossa cultura”, expressou Pangroti, com visível emoção. Adicionalmente, Nhaikapep relatou que os rios Fresco, Iriri e Xingu, que banham as terras kayapó, já se encontram severamente contaminados por metais pesados, evidenciando o perigo constante enfrentado por essas populações. Mesmo com o território demarcado, a sensação de ameaça e o impacto negativo persistem em sua comunidade.

Engajamento Ministerial e Desafios Legislativos

Estima-se que a conferência acolha um total de cinco mil mulheres indígenas, que, assim como Pangroti e Nhaikapep, compartilham os múltiplos desafios enfrentados em todos os biomas brasileiros. O evento antecede a IV Marcha das Mulheres Indígenas, prevista para quinta-feira (7), e contou com a presença de cinco ministras de Estado em sua abertura.

As ministras Sônia Guajajara (Povos Indígenas), Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima), Márcia Lopes (Mulheres), Margareth Menezes (Cultura) e Macaé Evaristo (Direitos Humanos e Cidadania) discursaram na noite de segunda-feira, reforçando o compromisso governamental com a proteção das mulheres indígenas e o desenvolvimento de políticas públicas específicas. Entretanto, um dos temas centrais debatidos foi o Projeto de Lei (PL) 2.159/21, popularmente conhecido como PL do Licenciamento por seus defensores, mas duramente criticado por ambientalistas e povos originários, que o denominam PL da Devastação. Este projeto visa flexibilizar e simplificar as exigências para a obtenção de licenciamentos ambientais no Brasil.

O PL 2.159/21, aprovado pelo Congresso Nacional em 17 de julho, aguarda a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse contexto, pesquisadores e povos da floresta têm mobilizado esforços para solicitar o veto presidencial ao texto. Sônia Guajajara, por sua vez, alertou que a proposta legislativa fragilizará consideravelmente a luta dos indígenas pela defesa da floresta. Além disso, a ministra enfatizou que as mulheres indígenas têm sido desproporcionalmente afetadas pelo racismo e machismo. “Temos aqui a presença de mulheres de todos os biomas (…) Hoje estamos aqui para resistir”, afirmou ela, destacando que as mulheres não se sentirão verdadeiramente livres enquanto continuarem a ser vítimas de violência e morte em suas próprias terras. Para Guajajara, é um dever do Estado desenvolver e implementar políticas públicas robustas para a proteção das mulheres indígenas. Nesse sentido, o evento se propôs a formar um grupo de trabalho interministerial, com a missão de elaborar estratégias eficazes para fortalecer essa proteção. Adicionalmente, a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, defendeu o fortalecimento das políticas de proteção às mulheres indígenas no planejamento orçamentário do país, declarando: “Nós estamos com ações de enfrentamentos contra violência. Precisamos dar um basta.”

A Vulnerabilidade Feminina e as Ameaças Ambientais

A ministra Marina Silva reiterou os esforços do governo federal na desintrusão de invasores de oito terras indígenas nos últimos dois anos. Contudo, ela reconheceu que o desafio ambiental é “muito grande”, salientando que “Aquelas que menos destruíram são as mais prejudicadas”, referindo-se diretamente às mulheres indígenas. Por conseguinte, a ministra defendeu a criação de políticas públicas que garantam o estilo de vida indígena, pautado na preservação e no uso consciente dos recursos naturais. Marina Silva também ponderou que as mudanças climáticas estão empurrando o mundo para “a beira do abismo” e criticou líderes estrangeiros que não apoiam as ações ambientais brasileiras, como o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, que, segundo ela, fazem “guerra tarifária” em vez de combater a crise climática. Aproveitando a oportunidade, a ministra também criticou o ex-presidente Jair Bolsonaro por sua postura contrária às demarcações de terras indígenas durante seu mandato.

Relatos Pessoais e a Luta Contra Agrotóxicos

Os discursos das autoridades foram atentamente acompanhados pelas mulheres presentes na conferência, que se realizou na região central de Brasília. Soraya Kaingang, de 44 anos, era uma delas, acompanhada de seus quatro filhos. Mesmo após mais de 20 horas de viagem de Londrina (PR) e já passava das 22h, ela afirmou não sentir cansaço. Moradora da Aldeia Apucaraninha, Soraya lamentou a realidade atual: ao contrário de sua infância, as crianças hoje estão expostas aos agrotóxicos, dispersos pelos produtores rurais que invadiram seu território de origem. “A gente produz milho, mandioca e feijão, mas está difícil. Vir até aqui é um jeito para que a gente conte nossas histórias, né?”, concluiu, evidenciando a importância do encontro para a troca de experiências e a união na luta por seus direitos e pela preservação de seus legados culturais e ambientais.

Sair da versão mobile