Dez anos após sua promulgação, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), sancionada em 6 de julho de 2015, demonstra avanços significativos na inclusão social, especialmente no mercado de trabalho. Entretanto, especialistas apontam que desafios consideráveis persistem, exigindo ações mais contundentes para garantir a efetividade da lei.
Avanços da LBI: um marco na inclusão
Para Liliane Gonçalves Bernardes, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a LBI representa um marco por consolidar um modelo de inclusão mais abrangente. Diferentemente da Lei de Cotas (Lei 8.213/1991), que apenas previa a obrigatoriedade de contratação, a LBI baseia-se na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU (Decreto 6.949/2009), assegurado um modelo fundamentado nos direitos humanos. Além disso, a LBI determina que os empregadores garantam acessibilidade no ambiente de trabalho, incluindo adaptações razoáveis sem ônus desproporcional – detalhes cruciais ausentes na legislação anterior.
De acordo com a pesquisadora, a LBI apresenta uma definição mais ampla e holística de deficiência. Não se limita à diferença corporal ou mental, mas considera as barreiras contextuais enfrentadas pela pessoa e como a interação entre essas barreiras e a diferença afeta a inclusão social. Outro avanço significativo é a criminalização da discriminação contra pessoas com deficiência no trabalho, prevendo penalidades para ações como recusa de contratação, demissão injustificada ou negativa de promoção por motivos de deficiência. A LBI também impulsiona o trabalho com apoio, incluindo a mediação de profissionais de apoio e tecnologias assistivas, para garantir a permanência e o desenvolvimento profissional dessas pessoas no mercado de trabalho.
Apesar desses avanços, Bernardes destaca a persistência do capacitismo – a crença de que pessoas com deficiência são menos capazes – como um obstáculo significativo à plena inclusão. A pesquisadora enfatiza que ainda há muito a ser feito para mudar essa mentalidade.
Empregabilidade em alta, mas desafios na fiscalização
Dados do Ministério do Trabalho revelam um crescimento expressivo na contratação de pessoas com deficiência entre 2009 e 2021: 78,44%, enquanto o mercado formal cresceu 18,26%. Em 2024, mais de 27 mil trabalhadores foram incluídos por meio de ações fiscais. Minas Gerais se destaca com 60% das vagas reservadas preenchidas, superando a média nacional de 57,8%. O estado abriga 10% das empresas obrigadas a cumprir a cota.
Para Patrícia Siqueira, auditora-fiscal do trabalho e coordenadora estadual do projeto de inclusão do Ministério do Trabalho, a pasta é responsável pela fiscalização das cotas, aplicáveis às empresas com 100 ou mais funcionários, que devem preencher entre 2% e 5% dos cargos com pessoas com deficiência ou reabilitadas pelo INSS. Porém, segundo ela, o número de auditores é insuficiente para fiscalizar as 44 mil empresas sujeitas à cota, resultando em um percentual de cumprimento de apenas 58%. Consequentemente, a auditora defende que, além de intensificar a fiscalização, é crucial uma mudança de mentalidade na sociedade, desmistificando a ideia de que pessoas com deficiência são improdutivas ou pouco qualificadas.
A LBI também promoveu mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), flexibilizando as regras para aprendizes com deficiência, eliminando o limite de idade e exigências rígidas de escolaridade. Ainda assim, a inclusão de qualidade permanece um desafio, demandando investimentos em acessibilidade, capacitação e combate à discriminação.
Histórias de inclusão e desafios persistentes
Lidiane Leal, de 40 anos, recepcionista em Belo Horizonte, ilustra a realidade da inclusão. Nascida sem as duas pernas e o braço direito, ela ingressou no mercado de trabalho por meio de um programa de aprendizagem na Rede Cidadã, sendo posteriormente contratada. Apesar da acessibilidade em seu local de trabalho, ela relata dificuldades diárias com a falta de acessibilidade no transporte público, um exemplo claro das barreiras que persistem para a plena inclusão.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE aponta uma discrepância significativa na taxa de ocupação entre pessoas com e sem deficiência. Em 2022, apenas 26,6% das pessoas com deficiência estavam empregadas, comparado a 60,7% daquelas sem deficiência – uma diferença superior a 34 pontos percentuais. Para Liliane Bernardes, do Ipea, o modelo capitalista, aliado ao preconceito, contribui para essa marginalização. Empresas frequentemente veem pessoas com deficiência como mais dispendiosas ou menos produtivas, preferindo contratar aquelas com deficiências leves que exigem menos adaptações.
Além disso, a pesquisadora destaca a complexidade da deficiência, que exige abordagens personalizadas. Embora a legislação defenda o direito à diferença e à participação social, é preciso assegurar tratamento diferenciado para garantir a igualdade de oportunidades. O poder público tem papel crucial na regulamentação e aplicação de leis, incluindo a auditoria fiscal do trabalho, embora insuficiente em muitos casos.
A necessidade de mudança de cultura
Fernanda Naves, vice-coordenadora nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do Ministério Público do Trabalho, enfatiza que, além da fiscalização e de políticas públicas eficazes, é fundamental combater a barreira atitudinal – o preconceito arraigado na sociedade. Para isso, são necessárias campanhas de conscientização, audiências públicas e ações afirmativas que promovam a integração e a qualificação profissional, permitindo que pessoas com deficiência ocupem posições de destaque.
Em conclusão, a LBI representou um avanço significativo na inclusão de pessoas com deficiência, mas a sua efetividade depende de uma atuação mais vigorosa em diversas frentes: intensificação da fiscalização, investimento em acessibilidade e capacitação, mudança de cultura e políticas públicas abrangentes que contemplem a diversidade de necessidades e desafios enfrentados por esse grupo populacional. A luta pela inclusão é contínua e exige a colaboração de todos os setores da sociedade para que a LBI se torne uma realidade para todas as pessoas com deficiência.